Apetece começar este artigo por dizer que: o principal problema da política é que a luta dos partidos pelo poder muitas vezes se sobrepõe a qualquer outro interesse. Pela luta pelo poder, os partidos fazem tudo e o seu oposto, dizem tudo e o seu contrário e agem apenas com o calculismo eleitoral que é o cancro das Democracias.
Que diria o líder da oposição, Luís Montenegro, a um primeiro-ministro suspeito de incompatibilidades, por deter uma empresa familiar cujos lucros e clientes poderão sair favorecidos pelas medidas que está a implementar? Que diria da insistência do primeiro-ministro em manter essa empresa na alçada familiar, ilibando-se de responsabilidades para o seus filhos, mesmo tendo sendo ele o angariador dos clientes? E que diria da falta de respostas do primeiro-ministro sobre os lucros dessa empresa, sobretudo no ano em que o primeiro-ministro se tornou líder do seu partido, quando afirma que nessa altura deixou a atividade empresarial? E que diria de tudo isto estar a acontecer em torno de uma empresa criada, apenas, como o próprio afirmou, para gerir património imobiliário que lhe foi transmitido por herança quando, afinal, a empresa está a prestar serviços jurídicos na área da proteção de dados?
Sabemos a resposta. No passado, Luís Montenegro e todo o PSD foram mais que vocais, em críticas ao anterior governo, sempre que a mínima suspeita ou polémica se levantava à idoneidade de um governante. Agora, no governo, o mesmo critério não é aplicado por Luís Montenegro e pelo PSD aos seus próprios governantes e a si próprio.
Três comentários sobre tudo isto.
Em primeiro lugar, que a incoerência é, de facto, o principal cancro da Democracia. Na luta pelo poder, os partidos mais preocupados em provocar danos aos adversários, mesmo em matérias nos quais os próprios não fariam diferente, estão a abrir caminho a que os mesmos danos lhes sejam infligidos. Nisto, bem estiveram Pedro Nuno Santos e Rui Rocha a recusar a possibilidade de se realizar uma Comissão Parlamentar de Inquérito à empresa do primeiro-ministro – é tempo de deixar de usar o Parlamento como um palco menor de casos e casinhos e permitir aos deputados concentrarem-se na função de criar e discutir medidas para melhorar a sociedade.
Se houver razões para suspeita, a Justiça atuará. De resto, a Democracia ganha com coerência. A coerência de quem não usa qualquer meio para a luta pelo poder. A Democracia deve ser protegida dos casos menores e, mesmo, das suspeitas, sob pena de vivermos num estado vigilante que afasta qualquer pessoa competente de querer contribuir para a sociedade, por causa de um meio político inóspito e persecutório – em que já vivemos.
Em segundo lugar, por este motivo, eu até acho que Luís Montenegro empatizo com a situação de Luis Montenegro. Está a defender-se e a defender os seus governantes. Está a procurar proteger o direito da sua família de serem livres e de poderem ter atividade empresarial. Porque é que a família de um governante haveria de ficar proscrita deste tipo de participações na sociedade? No passado, tivemos demasiados casos de pessoas capazes e competentes que abandonaram a política por suspeitas infundadas e por julgamentos em praça pública.
Quem perde é o País e as pessoas por estarmos a perder a capacidade de reter os melhores na política. Basta ver o caso de um primeiro-ministro, muito recente, que se demitiu por causa de uma suspeita que não veio dar em nada, e que agora é Presidente do Conselho Europeu. O que ganhou Portugal com a demissão de António Costa?
Por último e por tudo isto, Montenegro só é primeiro-ministro por causa da ética de Costa e assim se mantém porque não é capaz de ser tão ético como o seu antecessor. Costa saiu afirmando que “ dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição”. Já expliquei porque não concordo com António Costa neste aspeto – é o primeiro passo para a absoluta instabilidade, basta que uma qualquer notícia, apareça, todas as semanas, sobre qualquer primeiro-ministro, e esgotam-se os dez milhões de habitantes capazes de desempenhar a função.
Mas este não é um caso normal. E são demasiadas as faltas de respostas às perguntas mais importantes sobre o que se está a passar e as táticas bacocas para se manter no poder, como a pseudo promessa de uma moção de confiança que nunca chegará a acontecer. Por isso, é curioso que Montenegro, sempre tão crítico da suposta falta de ética republicana de António Costa, seja incapaz aplicar a si os mesmos padrões éticos de Costa, e ter-se demitido perante a suspeita grave de que é alvo e toda a crise política que ele, e só ele, está a criar e a agravar.
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