Há imenso tempo que Marcelo Rebelo de Sousa “está na berlinda”. E ainda mais, claro, desde que em 2016 foi eleito Presidente da República. Na Presidência mantendo a sua forma de ser e de estar inconfundíveis, caracterizadas pela hiperatividade, grande capacidade intelectual e de trabalho, afabilidade, comunicabilidade, loquacidade. E necessidade de que gostem dele, também ele gostando de gostar dos outros – o que não é pequena virtude. Além da sua (chamemos-lhe assim) irrequietude, por vezes brincalhona e na base de algumas suas “histórias” antigas…
Considero muito bom que, no essencial, Marcelo se tenha mantido igual a si mesmo. Sobretudo não passando a assumir “pose de Estado” e a ter tiques, ou pior do que tiques, de “poder”, de “função”, como é bastante usual, em simples governantes e outros. Sei do que falo: nestes quase 50 anos de democracia tive muitos amigos, companheiros de luta e/ou de trabalho com os quais isso aconteceu…
Marcelo, no essencial, não mudou, insisto, tendo porém adequado como se impunha alguns comportamentos às suas novas altas responsabilidades. Numa coisa, porém, não o fez: na loquacidade. E, para Chefe de Estado, fala de mais, em todas as circunstâncias e sobre todos os temas, com as consequências negativas daí decorrentes.
Já noutra(s) oportunidade(s) o escrevi, como tantos têm feito, não vale a pena estar a repetir. Recordo apenas haver referido um aspeto que julgo antes não sublinhado: que quando promovia ou estava em algo destinado a destacar alguma figura ou iniciativa, não devia aceitar responder a perguntas sobre outra coisa qualquer. Fazendo-o, ficava frustrado o objetivo em causa, pois eram só essas suas respostas que vinham a público.
Marcelo há imenso tempo está na berlinda, dizia. Mas agora parece que alguns já querem sentá-lo no “banco dos réus” da política. Com mais de três anos ainda como Presidente, há até quem venha recordar Cavaco Silva no famoso “ajudar Mário Soares a acabar o seu mandato com dignidade” – piedosa/venenosa intenção anos mais tarde replicada por António Costa em relação a ele, Cavaco.
Querem-no no “banco dos réus” exatamente – alegam – por falar de mais. E por ter dito algumas coisas infelizes. Ou suscetíveis de interpretações que as tornam infelizes. O que é verdade. Só que é verdade também serem forçadas certas interpretações, exagerada a gravidade atribuída a certas declarações, absolutamente injusto não colocar no outro prato da balança o muito mais de positivo que Marcelo tem dito e feito.
A luz é muito mais forte, e constante, do que as “sombras”. Na ótica do regime democrático e do interesse nacional, dos princípios e valores da Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir. O que não exclui que Marcelo, continuando a ser o que é, deva fazer um esforço para ser mais contido na quantidade e na temática das suas intervenções e falas.
Aliás, de par com isso e creio que mais importante é o Presidente, na sua boa-fé e boa vontade de ouvir todos, não permitir ser usado. Como ainda agora aconteceu, pela segunda vez, ao receber o chefe do Chega em audiência destinada a convencê-lo ou pedir-lhe que vete a lei relativa à morte medicamente assistida. Já a 29 de julho Marcelo recebera André Ventura, nessa ocasião para o deputado se queixar do presidente do Parlamento, quando apresentou uma (ilegal e não regimental) “moção de censura” a Augusto Santos Silva.
Ora, até por força da fundamental separação de poderes, o Presidente não deve dar audiências solicitadas com tais objetivos. Sendo óbvio que para o Chega trata-se apenas de mais uma forma de agitação e propaganda. E não há qualquer “compensação” em, muito bem, Marcelo lembrar, no passado 1 de dezembro, os ciganos que se bateram pela restauração da independência de Portugal.
Quanto àquela lei, cuja votação o Chega conseguiu adiar, o que se impõe é que o Presidente não a vete. Respeita-se por inteiro quem, mormente em razão da sua religião, seja contra ela – claro que nunca a vindo a utilizar. Mas querer impedir que seja descriminalizada a possibilidade de alguém pôr fim a um sofrimento atroz, e permanente, sem recuperação, parece-me assumir foros de autêntica desumanidade.
À MARGEM
Falar de mais, falar de menos
Se o problema em relação ao Presidente Marcelo é amiúde falar de mais, em relação a outros o problema é falarem de menos. Ou seja: não se pronunciarem de forma firme, inequívoca, e garantindo uma atuação forte e consequente, quando se impunha fazê-lo. Estou a pensar nos casos gravíssimos de elementos da PSP e da GNR racistas, xenófobos, violentos, investigados e denunciados por um grupo de jornalistas (e já espanta que nenhuma força a quem compete investigar o tenha feito antes…). E estou a pensar no “silêncio” de alguns responsáveis, mormente no do diretor nacional da polícia. Mas ao caso em si, não a este silêncio, espero voltar. Sinto o dever de voltar, até dado o meu conhecimento, ou a minha experiência, neste domínio e em matérias conexas, desde antes do 25 de Abril.
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