Dificilmente poderíamos imaginar uma época, por pequena que fosse, sem uma longa secção de futebol nos blocos noticiosos. Também seria difícil imaginar que Kim Jong-un estivesse ausente do mundo durante semanas e apenas nestes últimos dias se acordasse para esse facto, questionando se estará vivo.
E entre estes dois tópicos, que nada de comum apresentam, temos um elo inesperado, o vírus. Ambos, futebol e ditador, foram silenciados pela Covid-19. E este silenciamento leva-nos a várias reflexões, por exemplo, sobre a natureza do que julgamos ser essencial para o nosso quotidiano, sobre o que pensamos serem as urgências e aquilo a que damos espaço de fama e glória no reino das nossas relevâncias.
De facto, temos passado muito bem sem notícias do ditador norte coreano e ainda melhor sem o esmagamento que o futebol fazia nas grelhas televisivas – e vai tornar a fazer… E esta saída destes e doutros campos de notícias do nosso quadro de urgências aconteceu, não porque eles tenham sido relegados para o seu natural lugar, mas porque uma verdadeira URGÊNCIA foi proclamada.
O vírus silenciou porque empurrou tudo o resto, das “gorduras” e ruído informativo, a notícias de fato importantes. É verdade que, no limite oposto, passámos a ter apenas notícias relacionadas com a Covid-19 e mais nada, quando, convenhamos, o mundo não terminou nem as preocupações que deveriam ser notícia se eclipsaram.
Mas, alguns frutos acabamos por colher de tudo isto. Nunca os defensores do Serviço Nacional de Saúde esperaram que algum evento colocasse de forma tão central a obviedade da sua importância. Nunca o mundo neoliberal ansiou por ter um Estado intervencionista, como hoje.
Parece que, em certa medida, o vírus nos obrigou, apesar dos exageros noticiosos, a olhar para o essencial e a deixar “futebóis” para outras alturas. Afinal, com esta pandemia acabámos por perceber que uma coisa é o momento do futebol, outra é a da luta coletiva conta uma doença.
Esta primeira batalha, a da consciencialização da importância do Estado, está ganha. O Futebol esse voltará em breve. O ditador? Se do norte coreano se falar, continuaremos mais uns dias sem saber nada dele; Se for de outros, que esta crise tenha fortalecido a Europa para se afastar dos populismos que tão facilmente parecem grassar pelas massas que se inebriam com o futebol, esquecendo que o mundo à volta continua a rodar.