São compreensíveis os paralelos que se vêm fazendo entre os casos dos (ainda) Presidentes Trump e Temer. Estamos, afinal de contas, a falar de dois sistemas políticos presidencialistas com muitas semelhanças, e de dois Presidentes em risco mais ou menos iminente de impeachment. Sendo que tudo isto está a acontecer ao mesmo tempo, perante os olhos atónitos do mundo.
Mas julgo que as coincidências ficam por aqui. A democracia americana é adulta e institucionalizada. Edificada no século XVIII para reinventar a experiência ateniense sob forma representativa, nasceu fortemente influenciada pelo pensamento político liberal, consagrou direitos fundamentais e fez da separação de poderes a sua trincheira contra a tirania. Tem – já o provou várias vezes – instituições e cultura política suficientemente sólidas para lidar com situações extremas. Inclusivamente com a destituição de Presidentes que ameacem o funcionamento do edifício demoliberal. Veremos como acaba esta história. Trump tem ainda os apoios necessários nas duas câmaras do congresso para travar um processo de impeachment. Mas a erosão do apoio público pode criar o incentivo necessário para estimular dissensões no campo republicano.A situação no Brasil dificilmente pode ser mais diferente. A democracia brasileira é muito jovem, a solidez das suas instituições políticas é incomparável com a americana e o caso que agora abala o país não envolve “apenas” um Presidente acusado de corrupção. A torrente de lama que deverá fazer cair Temer – o processo Lava Jato – já salpicou quase toda a classe política brasileira. De Lula a Dilma, passando por boa parte dos aliados e adversários do PT. A verdade, tristíssima, é que estamos perante um problema de corrupção sistémico. E é por ser tão generalizado e sistémico que se cavou um profundo fosso de desconfiança entre a população brasileira e a classe política que deveria representá-la. Ao ponto de não ser muito crível que um simples processo de impeachment – que não conduzirá, nos termos constitucionais, às “diretas já” – possa aplacar a fúria das ruas. Sendo que mesmo uma resignação de Temer abre a porta a soluções salvíficas (de tipo populista ou justicialista) que são de molde a assustar todos quantos se interessem minimamente por história.
Ao contrário do que se passa nos EUA onde, estou disso firmemente convencido, o sistema acabará por gerar os anticorpos necessários para expulsar a “anomalia Trump” se a escalada prosseguir, no Brasil a questão é a de saber como e quem fará a reconstrução de um edifício político que está irremediavelmente podre. Com a Câmara dos deputados e o Senado enxameados de políticos enlameados pela investigação do Lava Jato, é compreensível o ceticismo em relação a uma regeneração vinda de dentro. Mas as soluções “de fora” são, por definição, soluções revolucionárias de consequências imprevisíveis. Uma estrada perigosa, to say the least.
O peso e a importância dos EUA e do Brasil no mundo são incomparáveis. Mas aquilo que se passa a norte é uma constipação do sistema. A Sul é todo um edifício político que ameaça ruir.
(Artigo publicado na VISÃO 1264, de 25 de maio de 2017)