O Porto ganhou pela terceira vez o título de European Best Destination, depois de uma campanha de apelo ao voto que mobilizou a cidade e suas personalidades. Mas eu, que sempre fui fã número um, que sempre apregoei o Porto como a cidade mais linda do mundo e que sempre fiz questão de voltar (e ficar) contra todas as probabilidades, não consigo comungar da celebração coletiva da vitória (e deste sentimento aparentemente antipatriótico me confesso).
Não porque ache injusto, porque continuo a dizer que o Porto é uma cidade belíssima e que sabe acolher como ninguém. É castiça, na sua mistura de cinza, ouro e azulejo. Meia tosca, meia burguesa. Dá de bem comer e beber (o que já chegava para encantar), mas arrebata, porque ora se esconde sorumbática por ruelas escuras e tortuosas, ora se debruça em paisagem sobre o rio, fazendo dele sala de estar. Ora se apresenta sólida, numa sobriedade de granito, como aparece decomposta, tropeçando ladeira abaixo em seus casebres, misturada com os gatos e as gaivotas, toda torta.
O Porto nunca foi para meninos. É chuvoso e mal-humorado de manhã. Ciumento e pouco dado a despedidas. Mas quando voltamos, não aguenta a birra, e recebe de pontes estendidas aqueles que lhe têm devoção. Tem (como já disse tantas vezes) a dimensão perfeita da domesticidade e é o melhor lugar do mundo para passar o domingo à noite (além de ter os melhores rissóis).
Também não se trata de algum tipo de xenofobia antiturística. Gosto de gente(s) e de receber quem nos visita. Tal como gosto de mundo e de ser bem recebida quando ando por aí. Além de ter consciência de quão importante tem sido o turismo para reanimar o tecido económico da cidade (no pós-crise), enquanto estímulo para a criação de negócios, empregos e investimentos, assim como para a recuperação do edificado, que tão precisado estava.
Mas por muito que acredite no Porto e nas vantagens do turismo, devo confessar-me cética em relação ao futuro e a esta estratégia de transformar o Porto em marca e, através do branding, em “destino”.
Primeiro porque uma cidade é muito mais do que uma marca, existindo e valorizando-se sobretudo enquanto identidade. Foi aliás pelo caráter de lugar vivido, castiço e popular, que a UNESCO classificou o centro histórico do Porto como Património da Humanidade. E depois, porque “destino” soa sempre a fatalidade, e seria ótimo que o turismo fosse mais oportunidade do que fado, principalmente para quem faz da cidade esse lugar vivido e castiço que tão bom é de visitar.
Imaginem os postais da Ribeira sem a roupa a secar à janela, ou o Bolhão sem “tripeiras”. Imaginem a noite do Porto sem bandas e sem Dj’s, ou os cafés sem gente de cachecol a ver a bola com uma francesinha no prato. Imaginem um cenário. Fachadas impecáveis de azulejo e uma cidade inteira que teve de ir morar para outro lado.
É por essa cidade que não consigo celebrar… Tenho sentido a subida vertiginosa das rendas e do metro quadrado, à medida que abrem hotéis e “airbnb’s” como cogumelos. Não consigo ignorar a voragem de trespasses (de mercearias, tascos e cafés, lojas de tecidos e de ferragens) para abrir mais lojas-de-vinhos-conservas-e-compotas-de-valor-acrescentado ou restaurantes de sobrenome “Gourmet”. Não celebro porque já perdemos meia Santa Catarina para a Inditex e já se fala de perdermos meia estação de São Bento para não-sei-quê-e-um-Starbucks. Não celebro porque tenho medo de perder o Porto para sempre, à medida que o Porto vai perdendo a sua gente e, com ela, a sua graça.
Já vivi alguns anos em Barcelona e reconheço os sinais… O turismo não pode ser mais importante do que a cidade e, por isso, há que ter coragem para regular, para impor limites, para taxar e, sobretudo, para favorecer a população local e proteger as suas rotinas. É como diz o velho adágio: “a diferença entre o remédio e o veneno está na dose” e o maior desafio é não embarcar no entusiasmo.
(Artigo publicado na VISÃO 1250, de 16 de fevereiro, de 2017)