O fim da pandemia de covid-19 trouxe, para muitos colaboradores, o regresso ao escritório e à “normalidade” empresarial. No entanto, os moldes de atuação foram-se transformando e enfrentamos hoje desafios proeminentes na gestão de limites entre o trabalho e a nossa vida pessoal. Por um lado, algumas organizações adotaram o que é designado por modelo híbrido de trabalho, onde os colaboradores intercalam o trabalho presencial em escritório com o formato de teletrabalho. Por outro, com a pandemia e a necessidade de trazer o trabalho para dentro das nossas casas, as empresas foram capacitando os seus colaboradores e ajustando as funções para que as tarefas pudessem ser executadas a partir de qualquer lugar, fazendo com que, atualmente, independentemente de termos estado a trabalhar no escritório, possamos realizar trabalho “fora de horas” com recurso às tecnologias (Santos e colaboradores, 2023).
Estes novos moldes de regresso ao escritório trazem uma necessidade acrescida aos colaboradores de serem os “gestores” do seu dia-a-dia de trabalho. De facto, e embora algumas organizações possam ser familiarmente responsáveis e ter algumas práticas que permitam uma gestão mais eficaz dos diferentes domínios da nossa vida (e.g., flexibilidade de horário, semanas de trabalho comprimidas, creche no local de trabalho) (Allen, 2001), o trabalhador pode e deve ter um papel ativo na forma como estabelece limites entre o trabalho e a sua vida pessoal.
Ainda que a motivação e o apreço pelo nosso trabalho possam proteger-nos de uma relação menos positiva entre o trabalho e a vida pessoal, é importante que as organizações criem estratégias e incentivem os colaboradores a ter um papel ativo e estabelecer limites
Ainda que alguns trabalhadores possam preferir ter a sua vida profissional e pessoal mais integrada, i.e., com limites menos rígidos (e.g., atender chamadas familiares no horário laboral, trabalhar em casa ao fim-de-semana), a investigação tem-nos mostrado a importância de sermos capazes de segmentar e fazer uma separação destes dois domínios (e.g., Carvalho e colaboradores, 2021).
No entanto, um dos fatores que deve ser tido em conta neste âmbito diz respeito à motivação dos colaboradores. Investigadores do ISPA – Instituto Universitário, em colaboração com outras instituições, concluíram que, de facto, a motivação pode funcionar como um mecanismo protetor de uma relação entre o trabalho e a família menos positiva. Assim, contextos em que os colaboradores sentem apreço pelo seu trabalho e executam as tarefas pela satisfação inerente (i.e., a designada motivação intrínseca) fazem uma melhor gestão entre o trabalho e outros domínios da sua vida pessoal e, deste modo, apresentam uma relação mais equilibrada entre estes diferentes papéis da sua vida (Lopes e colaboradores, 2022).
Ainda assim, e considerando que colaboradores mais motivados poderão ter uma tendência acrescida para trabalhar “fora de horas”, é importante que as empresas consigam criar as condições necessárias e respeitem uma das principais tendências no mundo empresarial e legislativo em resposta às alterações pós-pandemia – o direito a desligar.
Desta forma, e ainda que a motivação e o apreço pelo nosso trabalho possam proteger-nos de uma relação menos positiva entre o trabalho e a vida pessoal, é importante que as organizações criem estratégias e incentivem os colaboradores a ter um papel ativo e estabelecer limites que os permitam conciliar os papéis que desempenham e manter uma relação trabalho-família positiva – um dos principais preditores de bem-estar nos países europeus (Eurofound, 2012).
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