Há poucos meses, o fotógrafo suíço René Robert, de 84 anos, faleceu de hipotermia depois de ter ficado caído durante horas na sua rua, num dos bairros mais movimentados de Paris. A onda de indignação contra a “indiferença” daqueles que terão passado por René sem lhe prestar auxílio fez-se sentir nas redes sociais. Nada de novo para a Psicologia social, pode dizer-se.
Por que razão a presença de outras testemunhas inibe os comportamentos de ajuda? Uma das principais explicações prende-se com a difusão de responsabilidade, ou seja, as pessoas tendem a atribuir uma parte significativa da responsabilidade às outras testemunhas, sentindo, assim, menos responsabilidade pessoal em ajudar
A 27 de março de 1964, o homicídio de Catherine Genovese em Queens, Nova Iorque, era notícia no New York Times. Alegadamente, o brutal ataque durou 30 minutos e aconteceu perante 37 testemunhas que nada fizeram para socorrer a pobre jovem. Bibb Latané e John Darley, dois psicólogos sociais, não se ficaram pelas explicações assentes na mediocridade moral destas pessoas e, procurando compreender a sua inércia, desenvolveram várias investigações em que colocaram sujeitos em interação durante a qual, inesperadamente, um deles necessitava de ajuda (por exemplo, estaria a ter uma crise de epilepsia) (e.g., Darley & Latané, 1968; Latané & Rodin, 1969). Os investigadores verificaram que, perante uma situação de emergência, cada sujeito demorava mais tempo a prestar auxílio e a probabilidade de o concretizar era muito menor caso se encontrasse com outras testemunhas. Pelo contrário, se julgasse ser o único a assistir, a sua ajuda era muito mais rápida e a probabilidade de a prestar era significativamente maior.
Após este trabalho seminal, foram desenvolvidos vários estudos que corroboraram este fenómeno, conhecido por Efeito espectador, o qual constitui um dos mais robustos e reproduzidos efeitos da Psicologia social (Manning et al., 2007).
Mas, por que tal acontece? Por que razão a presença de outras testemunhas inibe os comportamentos de ajuda? Uma das principais explicações prende-se com a difusão de responsabilidade (Latané & Nida, 1981), ou seja, as pessoas tendem a atribuir uma parte significativa da responsabilidade às outras testemunhas, sentindo, assim, menos responsabilidade pessoal em ajudar. De facto, com tantas pessoas presentes, cada indivíduo pode assumir que a ajuda à vítima já está a ser prestada ou que está a caminho. Uma outra explicação tem a ver com a influência social (e.g., Latané & Darley, 1970). Cada testemunha começa por procurar manter-se calma devido ao receio de reagir com exagero perante a situação. Depois, ao ver as outras igualmente imóveis, sem acudirem a vítima, infere que a situação não constitui uma emergência e acaba por não intervir. Em contrapartida, variáveis de personalidade frequentemente usadas para explicar a passividade de testemunhas de emergências, como o alheamento e o maquiavelismo, não se mostraram relevantes, ou seja, esta apatia social não é devida a uma “deficiência moral”, mas, sim, a fatores situacionais (Darley & Latané, 1968).
Parece assustador percebermos que a maior parte de nós, pessoas comuns partilhando valores de solidariedade, pode, ainda assim, constituir uma testemunha apática do sofrimento alheio. A boa notícia é que é possível reverter o Efeito espectador. Atualmente, a Psicologia social preocupa-se com o desenho de programas de educação das comunidades para a assistência ativa e a redução da violência (e.g., Banyard et al., 2004; Levine et al., 2019). No entretanto, ficarmos conscientes desta nossa tendência conduzir-nos-á, muito provavelmente, a encararmos de forma diferente o nosso papel individual num incidente crítico que testemunhemos junto a outras pessoas.
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