Não há dúvida que há uma distância acentuada entre a língua Eslovena e Portuguesa, vindas de raízes muito diferentes (uma eslava, outra latina). Mesmo assim há muitos eslovenos a apaixonarem-se pela língua Portuguesa, e não deixa de surpreender a facilidade com que nela encontram conforto. E são várias as traduções de autores Portugueses diretamente para Esloveno. Hoje damos a conhecer Barbara Juršič, que muito tem vindo a fazer pela proximidade destas duas culturas, na altura em que acaba de lançar mais uma tradução do seu autor favorito, Saramago.
Se os livros do nosso prémio Nobel podem ser desafiantes para quem tem a língua lusa como língua materna e cresceu com os nossos costumes que se traduzem nas nuances e expressões idiomáticas que usamos todos os dias, imagine-se para quem vive imerso noutras culturas. Mas quando se quer muito vai-se mais longe. Traduzir nunca é apenas passar de uma língua para a outra, mas é construir uma ponte entre culturas. E é tanto encontrar pontos comuns, como é criar muitos outros que não estavam lá. É preciso, como diz a Barbara, ter uma paixão muito grande que vai sendo parte de nós. E com Saramago essa dimensão acresce por causa do estilo literário próprio, das palavras que usa, das combinações, das metáforas. E como é traduzir uma metáfora? É preciso ir atrás do autor e a certo momento calha que se apanha o estilo dele. De acordo com a Barbara, só assim se pode fazer uma boa tradução.
A Barbara conheceu o autor Saramago na livraria Lello no Porto, quando esteve em Portugal num intercâmbio de estudantes, há muitos anos atrás. O autor foi na altura recomendado por um dos empregados da livraria. O livro, “Ensaio sobre a cegueira” viria a ser a primeira de muitas das obras do nosso Prémio Nobel que iria traduzir para a língua eslovena. Mas, quando ao lê-lo, pensava para si mesma o grande desafio que era, devido à sua então ainda limitada compreensão da língua Portuguesa. Quando voltou do intercâmbio ao seu país natal, Barbara ligou às três editoras que conhecia na época para publicar a sua primeira tradução numa das melhores, Cankarjeva Založba, que nem conhecia ainda o autor, ainda antes da sua consagração com o Nobel. A última tradução que a Barbara lançou recentemente – O ano da morte de Ricardo Reis – é a sua quinta obra traduzida deste autor.
Talvez por ter sido o primeiro autor que traduziu, chegou mais perto do seu estilo sem se apoiar em comparações com outros. Ajudou a criar um laço especial que nunca se rompeu. Depois de muitos anos a traduzir Saramago, de conhecer bem a língua e cultura portuguesa, e de conhecer bem o estilo de Saramago, talvez se torne mais fácil. Com a evolução do conhecimento da obra do autor, começa-se a conhecer coisas que antes não eram fáceis de entender. A tradução das obras de Saramago exige um conhecimento muito vasto, não só da língua mas também da pessoa humana em geral. Uma certa abordagem psicológica. O leitor esloveno de Saramago também evoluiu e desenvolveu esses conhecimentos que são necessários para se ser um bom leitor deste autor. Na Eslovénia lê-se muito e a rede de bibliotecas ajuda à dispersão da sua obra. Saramago tem um público bastante vasto desde cedo pois, um ano depois do lançamento da primeira tradução – O ensaio sobre a cegueira – Saramago ganhou o prémio Nobel (uma boa coincidência, ou seja, escolha sem dúvida) o que o leva a uma grande projeção no panorama internacional. Nessa altura a Barbara começou a trabalhar regularmente com a editora que também aceitou as suas sugestões, o que dava à tradução um maior contacto com o autor.
Barbara lembra um encontro com Saramago em Trieste, onde ele discutia a importância do tradutor que garante a boa leitura do autor traduzido na outra língua. Conta que Saramago era muito divertido, simpático e com muito humor. Encontrou-o uma vez na aldeia dele, em Azinhaga na Golegã numa festa que organizaram na altura pelos seus 80 anos. A Barbara veio ter com ele para lhe perguntar se ainda se lembrava da sua tradutora eslovena, ao que respondeu que se lembrava muito bem e apresentou-a de imediato à sua tradutora espanhola, como ele chamou em brincadeira Pilar, a sua companheira. A Pilar só tinha olhos para ele, uma admiração incrível. E é incrível ter tantos mundos em si, e depois conseguir contar todas estas histórias. Acentuava sempre que os avós que nem sabiam ler, sempre lhe contavam histórias e a importância que isso tinha para ele. Isso está muito na sua obra, assim como uma visão muito lúcida sobre o mundo e uma preocupação muito ativa sobre o Homem e a sua liberdade que ninguém tem o direito de limitar, de que maneira for.
A Barbara tem contribuído bastante para a introdução da literatura em língua portuguesa na Eslovénia e, para além de Saramago, já traduziu Fernando Pessoa, Gonçalo M. Tavares (que já esteve por cá), Mia Couto, António Lobo Antunes, Mário de Sá-Carneiro e Dulce Maria Cardoso. Encontra espaço nos diversos serões literários muito ativos na noite de Ljubljana, que movem leitores de todas as idades, e para o qual também a Associação de Amizade entre Eslovénia e Portugal tem dado uma importante contribuição. A literatura lusófona é cada vez mais popular por cá, até ao nível da literatura infantil. Um bom exemplo disso é o livro infantil “Daqui ninguém passa” de Isabel Minhós Martins, traduzido por Katja Zakrajšek. Gentilmente aceitou o pedido para vir apresentar comigo esta obra à sessão regular de leitura infantil da Mala de Herança e contar às crianças como é esta coisa de traduzir de Português para Esloveno.