1 – Até 18 de maio, já sabemos o que nos espera: discussões intermináveis, quase todos os dias, sobre o resultado das muitas sondagens de opinião que irão sendo apresentadas, como se traçassem o retrato fiel e autêntico das intenções de voto dos eleitores. Não vai interessar que, na maioria dos casos, a margem de erro da amostra seja superior à diferença entre os dois partidos do topo ou que quase iguale a percentagem de votos que o estudo atribui aos que ficam na segunda metade da tabela. Também, aparentemente, ninguém se vai ralar muito em averiguar o que está mesmo escrito nas “letras pequeninas” da ficha técnica acerca da taxa de resposta, da verdadeira dimensão do número de inquiridos e o que representa um universo tantas vezes baseado na “população com telefone fixo”.
Em tempos de “circo”, no entanto, ninguém quer perder tempo a apreciar as fardas dos gladiadores ‒ muito menos a sua origem ou arte de combate. O que se exige é polémica e debates acalorados, mesmo que seja a discutir percentagens vagas como se estivessem mascaradas de contagens exatas. As tendências são transformadas em probabilidades e, por isso mesmo, tornam-se matéria para discorrer sobre cenários futuros ‒ como se o presente fosse apenas um aborrecimento, incapaz de prender audiências.
Nesta lógica, que apenas serve para alimentar a bolha mediática e animar as campanhas dos principais partidos, há uma dúvida que nos deveria assaltar: as sondagens eleitorais, tal como as apresentam, são um indicador da realidade ou apenas uma máquina de fabricar perceções? Servem para formar a opinião pública ou somente para criar entretenimento?
Mesmo quem procure evitar as perguntas, sabe que há uma resposta inegável: quanto mais ocuparmos os nossos dias a discutir sondagens, menos tempo nos sobrará para debater aquilo que interessa numas eleições, que é a política e a idoneidade dos candidatos.
2 – Nesta era de perceções exacerbadas, até a aritmética fica complicada. Em especial, quando estão em causa sentimentos primários ‒ como o medo ‒ facilmente exploráveis pela ignorância ou pela manipulação dos números.
Nos últimos tempos, por exemplo, procurou-se criar a ideia de que Portugal é um país cada vez mais perigoso ‒ com a direita radical e extremista a tentar sempre associar essa perceção ao crescimento do número de imigrantes. Agora, conhecidos finalmente os dados compilados no Relatório Anual de Segurança Interna, referentes a 2024, depressa descobrimos que os números servem, de facto, para alimentar as perceções em que cada um está enredado – mesmo quando, como números que são, deveriam servir para desfazer preconceitos ou ideias feitas, baseadas em erros de análise, em teimosia ou, simplesmente, tática política.
É verdade que a criminalidade grave e violenta – aquela que interessa considerar para alimentar perceções – aumentou em 2024, em comparação com o ano anterior. Mas o que se registou foi um aumento de 363 casos, ou seja: mais ou menos um caso por dia face a 2023. Esse é um aumento quase impercetível no total, acima das 14 mil ocorrências (14 385 em 2024 face às 14 022 em 2023). Se os números ainda valem alguma coisa, criou-se alarmismo por os crimes graves terem passado de 38 para 39 por dia.
Claro que um aumento de criminalidade é sempre preocupante e tem de ser condenado. Mas a verdade é que se olharmos mais para trás e compararmos os números atuais com os que existiam, por exemplo, há vinte anos, e utilizarmos o mesmo método de análise dos alarmistas dos nossos dias, acredito que o leitor vai ficar tão espantado quanto eu, ao descobrir que, em 2004, viveu afinal num autêntico… faroeste – que só nos passou despercebido, porventura, porque estávamos entretidos com a festa do Europeu de Futebol.
Não é engano: em 2004, o respetivo relatório de segurança interna registou um total de 21 867 casos de criminalidade grave e violenta (mais 7482 do que em 2024), incluindo um número muito mais elevado de homicídios (187 face a 89), de furtos por esticão (6246 contra 2178), assaltos a estações de combustível (285 contra 64), e até de casos de associação criminosa (31 contra cinco).
Em sentido contrário, encontramos em 2024 um dado preocupante, que é o do aumento do número de violações, que alcançou os 543 casos, o maior valor de sempre, nestes registos. É um indicador grave e que merece ser analisado, de forma a encontrar as respostas certas e eficazes para combater essa escalada dramática. Com uma certeza, porém: não é a fomentar o alarmismo nem a cavalgar as falsas perceções de insegurança que esse flagelo vai diminuir. É isso que, de facto, também nos dizem os números.
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