Podemos passar horas e dias a discutir se foi fogo posto ou provocado por causas naturais, se os meios de combate aéreo foram acionados a tempo ou se a estratégia para conter as chamas não foi a mais adequada e até discorrer, longamente, sobre a necessidade de os responsáveis políticos, do País ou da região, se deslocarem ao local do sinistro, como se fossem chefes militares num campo de batalha.
Podemos fazer isso, mas temos de ter a certeza de que nenhum desses pontos de discussão terá consequências em relação aos incêndios florestais se continuarmos a pensar que o foco tem de estar no combate e não na prevenção.
Os incêndios florestais não ocorrem apenas por desleixo ou por falta de meios, como sugerem tantos debates intermináveis. Eles existem porque, em primeiro lugar, são naturais e até necessários para a regeneração das florestas. E ocorrem por influência de fatores climáticos, que determinam as características do combustível a longo prazo, e em consequência das condições meteorológicas, que afetam o comportamento do fogo a curto prazo. Dias de calor extremo, com vento, são mais propícios à deflagração de grandes incêndios, especialmente quando, ao longo dos últimos anos, se foi acumulando combustível nas matas e florestas, e se multiplicaram os meses com tempo quente e seco.
Não é preciso ter dotes de adivinho para perceber que há um cada vez maior risco de incêndio, especialmente nas regiões mais vulneráveis à sua ocorrência. Um estudo científico recente, publicado na Nature Ecology & Evolution, não deixa grande margem para dúvidas numa das suas conclusões: o ano mais quente jamais registado, o de 2023, foi também o mais extremo em termos de incêndios florestais. Tudo em consequência de um clima mais quente e seco, que fez soar os alarmes em várias latitudes: tanto nos países pobres como nos mais ricos e poderosos. Como, por aquilo que se tem observado, este 2024 caminha para ser considerado ainda mais quente do que o ano anterior, ninguém pode admirar-se com a ocorrência de mais e mais incêndios florestais.
Na Madeira, um incêndio como o que atingiu o território nos últimos dias já não pode ser considerado um fenómeno anormal nem sequer absolutamente excecional. Nos últimos 14 anos, segundo os registos mais fiáveis, a ilha foi afetada por, pelo menos, quatro grandes incêndios (nos anos de 2010, 2012, 2016 e agora o de 2024), que deixaram uma área ardida, de floresta e de mato, claramente superior aos dos outros anos “normais” do mesmo período.
Uma publicação oficial do Observatório Clima Madeira, com a chancela da Secretaria Regional da Agricultura, Pescas e Ambiente, é absolutamente clara e definitiva acerca da ameaça que paira sobre a ilha. Vale a pena reproduzir o primeiro parágrafo do capítulo dedicado às florestas: “O principal risco para a floresta na Região Autónoma da Madeira são os incêndios florestais que, nos últimos anos, têm atingido proporções catastróficas. O histórico recente é tão preocupante que, mesmo num cenário onde a vulnerabilidade futura não aumentasse, a necessidade de adotar medidas para a redução dos incêndios florestais continuaria a ser urgente, já que representam elevados danos.”
O mesmo documento sublinha ainda que o risco de incêndio é potenciado, no caso da Madeira, não só pela persistência de altas temperaturas e de ventos fortes, mas também pelas condições estruturais das áreas florestais, em particular, o declive do terreno.
“Tanto a floresta Laurissilva como a floresta plantada encontram-se em áreas de acentuados declives, o que favorece a propagação do fogo, dificultando o seu combate”, lê-se ainda na mesma publicação.
A experiência recente de incêndios nos EUA, no Canadá e na Austrália, todos países do G20, demonstra que os grandes incêndios são quase impossíveis de ser controlados – mesmo quando se têm dezenas de aviões ao serviço e os bombeiros mais bem treinados. Por isso, é cada vez mais importante apostar na prevenção, na identificação dos sinais de alarme e, em último caso, na eficácia dos serviços de proteção civil para evitar vítimas mortais ou grandes prejuízos materiais. É na ótica da preparação e da prevenção que o debate sobre os incêndios precisa de ser centrado. Até porque, não tenhamos dúvidas, há sempre um dia em que as florestas acabam por arder. Temos é de estar preparados para evitar que o incêndio fique incontrolável.
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