Luís Montenegro tinha obrigação de saber que, ao contrário da tradição democrática de outros tempos, não iria ter direito a 100 dias de estado de graça. A atmosfera atual de crispação que sufoca qualquer debate iria impedi-lo. E, acima de tudo, a distribuição de deputados no Parlamento, saída das eleições de 10 de março, seria sempre um terreno minado para os passos iniciais de quem quer que formasse governo ‒ mesmo que a prudência ditasse que esse fator tivesse de ser encarado como um aviso sério para um político que se afirma experiente e que pretende ser reconhecido como um bom observador da realidade.
Por mais explicações que se procurem, é difícil compreender as razões que levaram este Governo, logo nas suas primeiras semanas, a não conseguir fazer uma leitura correta das circunstâncias que teria de enfrentar ‒ inéditas em 50 anos de democracia. E por que razão, desde o momento da cerimónia de tomada de posse, insistiu sempre numa estratégia de confronto com as oposições, comportando-se até, algumas vezes, como se tivesse uma maioria absoluta e não precisasse de procurar entendimentos no Parlamento. Além disso, cometeu ainda erros típicos de principiante, como foram as declarações contraditórias de alguns governantes sobre o mesmo tema. Acrescentou ainda algumas gaffes, com todos os condimentos, para desencadear polémicas ‒ em que Nuno Melo tomou desenfreadamente a dianteira. E, finalmente, deixou-se enredar nas teias de um truque muito mal executado, que foi fatal para a sua credibilidade: o do “enorme” alívio fiscal, que, afinal, já vinha quase todo do governo anterior.
Tudo isto poderia ter um efeito menor na imagem do Governo se Luís Montenegro e os seus ministros tivessem aproveitado o primeiro mês para, com ousadia e dinamismo, apresentarem uma série de propostas e medidas que fizessem a diferença. Não se lhes devia exigir soluções milagrosas para problemas complexos ‒ como fazem diariamente os populistas ‒, mas era de esperar espírito de iniciativa e algum arrojo para quem ganhou as eleições a prometer uma mudança. Se, no limite, queriam arvorar-se em vítimas, deviam ter avançado com propostas concretas que fizessem a diferença, mesmo sabendo que viriam a ser chumbadas na Assembleia da República. E também deveriam ter introduzido um tipo de discurso novo que, no mínimo, representasse um corte com o passado ‒ em vez de, em nome da imagem, cederem aos impulsos populistas na questão do logótipo do Governo. Finalmente, mesmo que a maioria dos ministros ainda esteja a tentar formar equipas e a procurar a diferença entre os dossiers importantes e os supérfluos, há um tema em que podiam já ter tomado uma decisão, até porque estão na posse do maior e mais completo estudo jamais feito sobre o assunto: a localização do novo aeroporto de Lisboa. Se, logo no primeiro mês em funções, este Governo tivesse tomado uma decisão capital para o futuro do País, teria ficado na História ‒ assim, limitou-se a ficar enredado em “histórias”.
A realidade é esta: o primeiro mês do Governo de Luís Montenegro não fica marcado por decisões, mas antes por demissões. A saber: a do CEO do SNS (esta mania das siglas…), a da provedora da Santa Casa e a do diretor nacional do PSP ‒ e, como escrevo estas linhas na terça-feira, a lista pode, entretanto, já ter sido aumentada. Todas as demissões são legítimas, no sentido de que fazem parte das competências e atribuições do Governo. Mas também, todas elas, foram mal explicadas ou justificadas. No caso de Ana Jorge, atingiu-se mesmo o caricato de a despedir (e à sua equipa), acusando-a de “atuações gravemente negligentes” e, poucos dias depois, emitir um despacho para a obrigar a manter-se em funções.
O caso é grave, porque afeta a imagem e o prestígio de instituições que, pela sua importância, não deviam estar dependentes das mudanças ou dos humores dos líderes políticos. É legítimo que um governo queira ter pessoas da sua confiança nos cargos mais importantes. Mas é preciso que, de uma vez por todas, se perceba que mais importante do que a confiança política é a confiança dos cidadãos nas instituições que garantem a estabilidade dos regimes democráticos. Quando se governa com lentidão nas decisões, mas com rapidez nas demissões (ainda por cima mal explicadas), abre-se uma avenida para o populismo. E enfraquece-se a democracia.
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