Apenas cinco meses depois das eleições legislativas de 2019, o País entrou em confinamento, à semelhança do resto da Europa, devido ao crescimento acelerado de casos de Covid-19. Menos de três semanas depois das eleições de 2022, as tropas russas invadiram a Ucrânia e, de um dia para o outro, as ondas de choque do conflito vieram somar mais um grau elevado de incerteza política e económica, num mundo que tentava recuperar do desgaste da pandemia.
Em qualquer dos casos, estes dois acontecimentos de transcendência internacional marcaram, de forma profunda, os últimos dois governos liderados por António Costa. Obrigaram a refazer planos, alterar prioridades, procurar um maior alinhamento com os parceiros internacionais e, inevitavelmente, a responder com muito maior empenho às situações de emergência que entretanto iam surgindo, em detrimento de qualquer objetivo estratégico de longo prazo.
Aqueles dois momentos revelaram igualmente como a conjuntura mundial tem hoje um papel cada vez mais importante e decisivo para qualquer governo. O que não deixa de ser uma ironia dos novos tempos: ganham-se eleições com propostas de consumo interno, mas os tempos de governação estão cada vez mais condicionados pelo que acontece no resto do mundo. Com uma agravante: ao contrário do que sucedia anteriormente (choque petrolífero de 1973 ou o crash financeiro de 2008), as crises sucedem-se agora a um ritmo muito mais rápido, sobrepondo-se até umas às outras. E têm um efeito de contágio quase instantâneo e global.
Esta incerteza permanente a nível mundial e o desequilíbrio constante entre os planos que se fazem a nível interno e as convulsões que chegam de fora ‒ num tempo em que as redes sociais e a paisagem mediática privilegiam o imediatismo e exploram a intolerância ‒ tornam mais difícil a vida de qualquer governo. Por isso, nos países onde se realizam eleições livres é cada vez mais difícil um partido conseguir sobreviver no poder ‒ e ainda mais raro fazê-lo com uma maioria robusta, sem necessitar de coligações.
O grau de incerteza internacional é hoje elevado para qualquer governo, seja qual for a dimensão do país. E é uma sombra omnipresente para o Executivo que Luís Montenegro vai agora apresentar e liderar. Já se percebeu que, a leste, Vladimir Putin vai aproveitar qualquer pretexto para tentar alargar o conflito agora confinado à Ucrânia. E, à sua maneira, cavalgar cada foco de incerteza para ajudar a dividir a Europa e, dessa forma, enfraquecer o apoio a Kiev e à sua resistência. Já se viu, aliás, na forma como começou a responder aos atentados terroristas nos arredores de Moscovo.
O regresso da ameaça terrorista islâmica é outro foco de preocupação, com os sinais de alarme a soarem de forma estridente em países como a França e a Bélgica. Mas também, mais uma vez, com as ondas de choque desse alarmismo e preocupação a poderem ter efeitos nefastos na economia do continente e, acima de tudo, a criarem maior instabilidade política, favorecendo os grupos mais populistas e radicais.
É neste contexto, particularmente volátil e perigoso, que o novo Governo vai iniciar funções. Vem carregado de promessas de mudança e, para já, com um consenso alargado, e até surpreendente, em relação a algumas medidas destinadas a aumentar os rendimentos de vários grupos profissionais. O que não é suficiente para ter vida longa. Nem isso nem apresentar bons resultados na economia, como se viu agora com o brilharete do excedente deixado por Fernando Medina ‒ que de pouco serviu para o resultado eleitoral do PS em 10 de março.
A verdade é que muita da realidade interna vai estar dependente do contexto internacional dos próximos meses. O que não diminui a responsabilidade do Governo que agora inicia funções. Antes pelo contrário: vai exigir, isso sim, a constituição de um grupo coeso, com faro político e que saiba ler os sinais da conjuntura mundial. É isso que exigem os tempos atuais: governar para dentro, mas sempre a olhar para o que se passa lá fora.
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