Há uma promessa sempre partilhada por todos os organizadores e promotores de um qualquer megaevento: a de que, no fim, os benefícios serão muito superiores aos custos. O primeiro problema dessa promessa é que ela é, geralmente, feita com uma estimativa de despesas ainda abaixo do que será a realidade, mas sempre com uma previsão de receitas inflacionada e potenciada ao limite máximo. O segundo problema é que, como a História tem demonstrado, os custos dos megaeventos acabam sempre por derrapar e, por isso, ultrapassar largamente o orçamento inicial. Com uma agravante suplementar: a não ser nos casos em que as coisas correm realmente mal e saltam à vista de todos, como na Grécia após os Jogos Olímpicos de Atenas (2004), quase nunca se fazem estudos completos e pormenorizados sobre o verdadeiro impacto económico. Ou seja: raramente se consegue saber, com um mínimo de rigor, se o tão propagado retorno financeiro foi ou não alcançado.
Em 2015, o investigador suíço Martin Müller, da Universidade de Zurique, identificou os sintomas que costumam estar associados aos megaeventos e que, por esse motivo, deveriam servir de sinal de alarme para os países que os acolhem. Todos ouvimos falar deles nos últimos tempos: promessa exagerada de benefícios (que acabam por não se cumprir), custos subestimados, prioridades urbanas deslocadas, gastos elevados de dinheiro público, banalização de regras de exceção para se conseguir cumprir os prazos estabelecidos. Tudo junto, é isto que caracteriza aquilo que Martin Müller classificou como a “síndrome dos megaeventos”: a discrepância que quase sempre ocorre entre os benefícios esperados e os autênticos. E alguns, segundo o seu estudo, foram até quantificados, de forma clara, por diversos trabalhos de investigação: desde 1960, sem exceção, as organizações dos Jogos Olímpicos ultrapassaram, em média, o seu orçamento em 179%; após o Mundial de Futebol de 1994, nos EUA, as cidades-sede experimentaram uma perda económica líquida em vez do ganho previsto; os Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas, custaram cerca de 3,4% do PIB grego na época e, além de deixarem um legado de instalações desportivas abandonadas, contribuíram para a crise económica em que o país se afundou.
No entanto, também há muitos e bons exemplos. A começar, desde logo, pelo modo como a organização dos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, soube aproveitar o megaevento para fazer uma transformação profunda da cidade, tanto ao nível urbanístico como social. E com evidentes benefícios económicos, já que desencadeou uma procura turística tão forte que, ironicamente, alguns anos depois até passou a ser vista como exagerada e prejudicial para a cidade. O bom comportamento de Barcelona foi responsável pelo crescimento exponencial dos megaeventos, que se tornaram, ano após ano, mais ambiciosos e com candidaturas repletas de promessas e de incontáveis benefícios económicos – a forma mais eficaz de poderem vencer a concorrência. Barcelona foi uma inspiração para a renovação urbanística operada em Lisboa com a Expo 98, mas igualmente para muitas outras cidades por esse mundo fora. E por uma razão que já está identificada: só à boleia dos megaeventos, e perante a necessidade de não ficarem mal na fotografia diante do resto do mundo, é que os governos aceitam canalizar rios de dinheiro para projetos profundos de transformação urbana. A realidade é mesmo assim: esta Jornada Mundial da Juventude foi, por exemplo, o motor que permitiu reabilitar o Parque do Trancão, ao abandono há décadas – imaginemos, então, há quantos anos já teríamos um novo aeroporto em Lisboa se, por milagre, tivéssemos ganho a organização de uns Jogos Olímpicos. Estas coisas, para o bem e para o mal, andam sempre a reboque umas das outras.
A verdade é que os megaeventos são, hoje, um fenómeno bem mais complexo do que aquilo que se pode encaixar numa folha de Excel, dividida entre as parcelas do deve-haver. Há muitos outros fatores, sem relação direta com a economia, que não se consegue quantificar com rigor, mas que têm um impacto que pode perdurar durante anos: imagem do país, sensação de segurança, hospitalidade e, mais importante, a autenticidade do anfitrião. Encarar um megaevento, como a JMJ ou outro qualquer, apenas pelo lado do negócio é sempre errado. Até porque, sem os custos ainda completamente quantificados, ninguém pode adiantar, com honestidade intelectual, quais serão os benefícios. As contas, como sabemos, só se fazem no fim. E, nestes dias, essas contas estão dependentes da impressão com que ficarem as centenas de milhares de jovens que se deslocaram, de todo o mundo, para uma das capitais mais periféricas da Europa.
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