Desde o início, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) tem sido tratada como uma espécie de desígnio nacional, como algo que vai catapultar Lisboa e, por extensão, o País para níveis inacreditáveis de reconhecimento internacional – como se não vivêssemos num mundo multicultural e de enorme diversidade religiosa. Também, desde o início, todo o processo organizativo da JMJ tem sido de um amadorismo atroz, com várias entidades a dividirem as tarefas, mas sem que exista, verdadeiramente, uma liderança capaz de definir prioridades, de coordenar com eficácia os vários atores envolvidos e de, nos momentos de crise (que ocorrem sempre…), saber dar a cara, assumir responsabilidades e avançar com soluções.
Nunca, em circunstância alguma, a realização de um acontecimento capaz de atrair muitas centenas de milhares de pessoas para um mesmo local pode ficar entregue apenas à boa vontade e ao entusiasmo dos seus promotores – por mais sinceros e bem-intencionados que sejam. A verdade é que foi isso que aconteceu. E, apesar dos pequenos “casos” e dos grandes “escândalos”, continua a ocorrer.
Em certa medida, o tom da organização da JMJ ficou marcado desde o dia em que, num misto de alegria incontida e de humorismo involuntário, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de um Estado laico, celebrou a “conquista” da organização da JMJ num “direto” via telemóvel desde a cidade do Panamá. A partir daí, pouco ou nada se alterou, de essencial, no rumo dos acontecimentos: um aparelho do Estado a tentar colaborar, mas sem ninguém, verdadeiramente, assumir aquilo a que se deve dar o nome apropriado de organização.
Foi assim que chegámos ao ponto em que estamos, a cerca de mês e meio do evento que, segundo alguns, pode ter um retorno positivo absolutamente avassalador para Lisboa e Portugal: sem uma ideia precisa do que deve ser a organização de uma iniciativa deste género e a forma de a gerir para que o “retorno” não se transforme numa fatura colossal, que demorará muitos anos a ser paga. A menos de seis semanas da abertura, ainda não há um plano estruturado sobre os transportes, atiram-se palpites em relação às ruas e artérias que podem ter de ser encerradas em Lisboa, há dúvidas constantes em matéria de segurança e de emergência. Improvisa-se mais do que se planeia. Mas não só: quem vive na cidade que acolhe a JMJ ainda não teve qualquer informação sobre o que terá de mudar nos seus hábitos diários, quando forem impostas as necessárias medidas de segurança e as regras para facilitar o trânsito de mais de um milhão de visitantes.
Desculpe-me o leitor a imodéstia, mas estive presente em seis Jogos Olímpicos, nas últimas duas décadas e, nesse sentido, fui testemunha presencial e direta das consequências que eventos gigantescos podem ter nas cidades que os organizam. Vi como em Londres ou em Sydney, por exemplo, os seus habitantes foram avisados, com meses de antecedência, para o transtorno que a iniciativa lhes poderia causar (incluindo até, no caso australiano, a mudança do calendário escolar) – o que foi decisivo para o êxito dos Jogos. E de como, em Atlanta, EUA, um plano de transportes mal pensado foi o suficiente para desencadear uma onda de críticas a nível internacional – e que criou uma má imagem que ainda hoje não se apagou. Em todo o lado, senti o mesmo: um grande evento só terá êxito se conseguir conquistar, em primeiro lugar, os seus anfitriões (como também vimos, entre nós, na Expo’98 e no Euro 2004). É isso que falta fazer em Lisboa – se ainda houver tempo.
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