Deixemos as pequenas diferenças de lado e concentremo-nos no essencial: o Plano de Recuperação e Resiliência, que está agora em consulta pública e que norteará a distribuição dos muitos milhões de euros da União Europeia, permite-nos acreditar que, no final desse processo, poderemos ter um País melhor, em termos económicos. Podem existir divergências quanto às prioridades, mas parece evidente que existe aqui um rumo para se construir um País mais desenvolvido, sustentável e preocupado com os desafios digital e climático.
No entanto, há uma interrogação que ressalta depois de se folhear a quase centena e meia de páginas do documento: que tipo de cidadãos vamos ter a habitar esse País, que se pretende “mais justo e resiliente, mais sustentável e mais competitivo”, mas em que a Cultura fica praticamente de lado – embora António Costa se esforce por dizer o contrário – e em que, acima de tudo, o Desporto é reduzido a um zero absoluto, contrariando até as recomendações dos principais organismos internacionais? A resposta, infelizmente, só pode ser uma, quando se indica um caminho de desenvolvimento que ignora o Desporto e a atividade física: condenar os portugueses a ficarem ainda mais sedentários, porventura mais obesos e menos saudáveis.
Portugal é um país em que todos se habituaram a debater os lances polémicos dos jogos dos chamados clubes grandes, mas em que o Desporto, na sua verdadeira e fulcral dimensão, continua a ser considerado uma peça supérflua, longe das prioridades. Houve um tempo, até, em que a Educação Física nas escolas foi subalternizada à sua expressão mais insignificante. E, entre os agentes políticos, como se observa desde há muito, o Desporto raramente é encarado como um fator essencial ao desenvolvimento, mas, antes, como uma oportunidade para, com uma mensagem ou condecoração, exaltar as qualidades dos portugueses sempre que um atleta ganha um medalha ou atinge notoriedade internacional. É apenas algo que fica bem, mas que não merece mais atenção do que essa.
O Desporto é, no entanto, muito mais do que a atividade lúdica como muitos insistem em classificá-lo, sem valorizarem a sua importância na vida das comunidades, o seu papel na saúde, no bem-estar e até na educação cívica, como instrumento fundamental para superar diferenças e lutar contra a intolerância. Praticar desporto é a melhor escola para ensinar a trabalhar em equipa, e o espaço onde se pode aprender, com boa formação, o que é ganhar e perder – com a certeza de que ninguém ganha sempre e muito menos o faz sozinho.
É por isso que o Desporto devia ser uma peça-chave na recuperação e, acima de tudo, na construção de um espírito resiliente no pós-pandemia (é a resiliência em estado puro!). Isso mesmo foi reconhecido, ainda há bem pouco tempo, nas Nações Unidas, numa declaração assinada por 118 dos seus Estados-membros, entre os quais Portugal – num daqueles textos repletos de frases bonitas e inspiradoras, que qualquer governo sensato subscreve, mas que depois poucos acabam por adotar nas suas legislações e prioridades.
Mais recentemente, também o Parlamento Europeu aprovou, por uma esmagadora maioria, uma resolução que exorta os governos a incluir esta área nos seus planos de recuperação e resiliência, única forma de evitar o descalabro do setor – muito afetado pelas medidas de combate à pandemia – e, com isso, contribuir para a melhoria da saúde pública (em especial, de modo urgente, da saúde mental, muito fragilizada nos confinamentos). Alguns países bem próximos de nós, como Espanha e França, tomaram essa direção. Em Portugal, persistimos em ignorar o Desporto, nas suas vertentes principais. O resultado será inevitável: podemos ficar mais “desenvolvidos”, mas estaremos mais pobres e menos saudávei