O final do ano de 2024 ficou marcado, na comunidade internacional da economia da felicidade, pelo falecimento de Richard Easterlin, o economista norte-americano conhecido como o “pai da economia da felicidade”. Esse epíteto deve-se ao facto de ele ter sido o primeiro economista, em 1974, a olhar para dados de bem-estar subjectivo (a felicidade reportada pelos indivíduos) e contrastá-los com dados económicos, como o rendimento individual ou o rendimento das nações. Nessa altura, e com os dados de que dispunha, Easterlin conseguiu observar um facto relevante: apesar de, dentro de uma nação, as pessoas com mais rendimento reportarem, consistentemente, mais felicidade do que as pessoas com menos rendimento, tal relação positiva entre rendimento e felicidade já era menos notória se comparássemos nações (umas mais ricas com outras mais pobres), ou se olhássemos para uma nação ao longo do tempo (neste caso, os EUA, que via o seu rendimento nacional a crescer continuadamente sem que isso se refletisse num correspondente crescimento da felicidade dos norte-americanos). Esta constatação empírica, que veio a ficar conhecida como “paradoxo de Easterlin” alertava para a complexidade da relação entre rendimento e felicidade, algo que os economistas tendiam a ignorar, adotando a simplificação de que “quanto mais rendimento, mais felicidade”.
Embora esse estudo tenha tido pouca ressonância, à época, o mesmo veio a ser redescoberto, em meados dos anos 90 do séc. XX, por economistas que estavam a usar dados de bem-estar subjectivo nas suas análises económicas.
No final do séc. XX, com muitos mais dados e ferramentas estatísticas, esses economistas puderam prosseguir o caminho que Easterlin tinha iniciado, tentando perceber se ele tinha razão, se se mantinha o tal paradoxo e o muito mais que se podia dizer sobre a relação entre felicidade e a dimensão económica da vida. E sim, o paradoxo mantém-se, na medida em que não é linear a relação entre rendimento e felicidade, seja porque o rendimento médio da sociedade afeta o benefício que um dado rendimento individual gera, seja porque há muitas dimensões da felicidade que o rendimento não consegue comprar (como o amor) ou que são prejudicadas quando temos que gerar esse mesmo rendimento (como o lazer).
A partir dessa data, dá-se uma explosão na investigação das relações entre o bem-estar subjectivo e os seus determinantes individuais, sociais, demográficos e económicos. E não mais tem parado a investigação sobre a felicidade, mesmo dentro da ciência económica, que desde o início do séc. XX sempre foi avessa a aceitar dados subjetivos. O próprio Richard Easterlin acompanhou a onda e retomou a investigação sobre o tema, tendo-o feito quase até à sua morte, já com mais de 90 anos de idade. Apesar da sua morte (e a de outro pioneiro dos estudos da felicidade, o sociólogo neerlandês Ruut Veenhoven), a comunidade internacional que estuda a felicidade (e a economia da felicidade em particular) está bem e recomenda-se, com novos resultados a surgirem a cada dia.
Na ciência económica, falta ainda a incorporação destes resultados empíricos nas teorias básicas que explicam a relação entre rendimento e bem-estar e na correspondente transferência para o âmbito das políticas económicas e públicas. É precisamente essa a longa vida de Easterlin que agora precisamos.
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