Um dos factos já bem estudados acerca dos mecanismos de dor/prazer, alegria/tristeza nos seres humanos é o da assimetria do impacto que nos causam. Em concreto, os eventos negativos provocam mais impacto do que os eventos benignos.
A base biológica e evolucionista dessa assimetria é simples: é o negativo que nos traz a morte. Por isso, temos que ser muito reativos aos perigos e ao que nos causa dor, para evitarmos o grande mal. Por outro lado, o que nos é benéfico gera-nos sensações boas, que nos conduzem à aproximação e repetição, para nos mantermos vivos (alimentarmo-nos, hidratarmo-nos, reproduzirmo-nos, socializarmos). Mas a intensidade do prazer não nos marca tanto como o medo da dor.
Este nosso funcionamento biológico e psicológico tem uma consequência importante para as nossas vidas individuais e colectivas: ambientes de baixo risco são mais propiciadores de felicidade do que ambientes altamente voláteis. Por mais que os viciados em adrenalina se sintam desconfortáveis nos ambientes mais controlados, a grande maioria dos seres humanos floresce mais quando o risco é menor.
Do ponto de vista civilizacional, aliás, tem sido esse o caminho traçado: desde os primórdios, em que os seres humanos viviam perante grandes riscos meteorológicos, alimentares, de saúde ou de predação, até à modernidade em que o nosso domínio sobre a energia, a higiene ou a produção alimentar nos permite libertar do medo de não saber como sobreviver ao dia seguinte.
No entanto, e porque não há almoços grátis, no processo de domínio dos riscos que domámos, criámos outros. O exemplo clássico é o desemprego. Só há desemprego porque há emprego, ou seja, é porque nos especializámos de tal forma laboralmente que podemos ficar na situação terrível de o mercado não necessitar, a dado momento, do nosso contributo específico.
Significa isto que, para gozarmos verdadeiramente da segurança que a modernidade, o progresso tecnológico e a especialização laboral nos trazem, temos que minimizar os riscos sociais da complexidade que a vida nas cidades e nas redes globais geram.
Isso só se consegue com uma partilha institucionalizada desses riscos, impedindo que as pessoas sofram com as quedas inevitáveis dos saltos que se vão dando.
Por isso são vitais, para a felicidade das nações, sistemas desenvolvidos e eficazes de segurança social, em que os que têm a sorte de ser ricos ajudam os que têm o azar de ser pobres, os que têm a sorte de ser saudáveis ajudam os que têm o azar de ser doentes, os que têm a sorte de ser inteligentes e eficientes ajudam os que têm o azar de o não ser, os que têm a sorte de nascer privilegiados ajudam os que nasceram discriminados.
Acresce que esta partilha de riscos sociais é também a melhor forma de potenciar os saltos: quanto menos ficarem para trás, mais seremos a fazer o mundo andar para a frente.
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