Na definição de “manifesto”, encontramos uma duplicidade de sentido e de função que nos obriga a um olhar atento. Por um lado, “manifesto” remete-nos para a ideia de obviedade; de facto, um “manifesto” é algo que está manifestado, evidente, claro. Mas, por outro, e apesar de ser um conteúdo com a tal carga de obviedade, um Manifesto é o resultado de uma avaliação que nos diz que o que era para estra manifesto, se encontra como que velado e, por isso, necessita de visibilidade e de uma mecânica de hipervalorização.
O Manifesto de Óbidos reside exatamente nesse campo. É estranho, e sintomático, convenhamos, que seja necessário fazer e colocar nas bocas do mundo um Manifesto que procura dar corpo a um processo de valorização da língua portuguesa como língua de ciência.
Todos sabemos, porque estamos no mundo, que a existência de uma “língua franca” é útil e várias já desempenharam esse papel. Portanto, a Lusofonia tem também de se construir com o cosmopolitismo de conseguirmos sair de nós e usar as ferramentas da Hiper globalização em que vivemos. Mas esse fenómeno é potencialmente esmagador para todas as outras realidades linguísticas.
Não devemos fomentar o português apenas porque é a nossa língua, mas porque ela corresponde a um grupo de ferramentas de pensamento expressas nas capacidades que ela tem de exprimir o mundo e o pensamento. Uma língua é uma forma de pensar e de ler a realidade. Por isso o português é uma língua de culturas. Mas, por isso também, deve ser uma língua de ciência.
A juntar a este argumento, o português corresponde cada vez mais a uma comunidade científica que, para seu desenvolvimento, deve criar mais redes de trabalho, mais formas de ligação entre investigadores de Portugal, do Brasil, mas também dos restantes países lusófonos. Sem negar uma língua franca, seremos mais capazes de fazer inovação se estivermos agregados em comunidades com capacidade crítica onde se possam valorizar todos os investigadores deste imenso espaço.
O “Manifesto de Óbidos pela língua portuguesa. Por uma língua de culturas que seja também uma língua de ciência”, apresentado no FOLIO, em Óbidos neste dia 15 de outubro, sob o impulso e a redação de Luísa Paolinelli, José Eduardo Franco, Regina Brito, Annabela Rita, Carlos Fiolhais, Moisés Lemos Martins, Paulo Santos e Roque Rodrigues, é este grito de obviedade: é possível, e interessante, fazer ciência em português. Fazê-lo, sem negar a globalização e o cosmopolitismo, permite dinamizar imenso o espaço de inovação lusófono e potenciar o aparecimento de verdadeiros ecossistemas de criatividade e inovação nos países da CPLP.
Pode ler o “Manifesto de Óbidos”.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ Tudo é Rio, de Carla Madeira
+ Os Cadernos de Dom Rigoberto, de Mario Vargas Llosa
+ Descolonizar as mentes e a cultura
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.