Quando esta crónica for publicada, estarei dentro de um avião. Como todos os lisboetas, preciso de férias.
Este sábado, a manifestação “Casa Para Viver” saiu à rua em dezenas de cidades do país. Participei na minha terra, Lisboa, com milhares de outras pessoas que precisam de férias.
Como pode um país especializado em receber especializar-se em expulsar? Será condição necessária?
Preciso de férias de uma cidade que rouba à maioria das pessoas o direito a sonhar. Desta Lisboa que escorraça as meninas e as moças. Desta cidade em que um casal de classe média, com educação superior, não consegue viver bem. Quando mais os estudantes e jovens recém-formados, um trabalhador imigrante, uma família pobre ou uma mãe solteira. Preciso de férias desta cidade riquíssima e cada vez mais só para alguns.
Portugal está a transformar-se num local estranho, onde a maioria não pode viver com dignidade. Onde quem sonha é convidado a sair e quem fica é condenado a servir. Preciso de férias de uma cidade pastiche, pensada para encher olho a quem que não enxerga a mentira nos toldos “Portuguese Cuisine”. Preciso de férias de quem cá vem de férias. Não pelas pessoas em si – que têm todo o direito a vir -, mas por não ver a receita do Turismo investida em criar condições para quem habita. Várias das cidades mais desenvolvidas do mundo estão a estudar soluções. Preciso de férias de não viver em nenhuma delas.
Preciso de férias dos bairros históricos em o que o que é autêntico – as tascas, os cafés de bairro, os bares centenários, as associacões e casas de cultura – fecham para abrir hotéis sem alma. Da descaracterização total das ruas em que os meus avós nasceram. Preciso de não ver colonizados os recantos mais bonitos: cada praça com sombra, cada jacarandá, cada visão do rio, tudo é privatizado, usurpado à comunidade e transformado em local de consumo. Senta-se quem pode pagar.
Precisamos todos de férias. Eu ainda posso ir. Eu ainda posso viver em Lisboa, sonhar e sentar-me em esplanadas. E portanto aqui vou, a sonhar com uma cidade diferente, em que há lugar e dignidade para todos.
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