Na semana em que mais de cem mil alunos começam o ano sem professores, discutimos um tema urgente e fundamental no dia-a-dia dos portugueses: a questão de Olivença. Prossegue a silly season, talvez como consequência do aquecimento global.
O Ministro da Defesa, Nuno Melo, afirmou esta sexta-feira numa entrevista que Olivença é “portuguesa” e que “por tratado, deverá ser entregue ao Estado português”. Para quem se possa ter distraído nos últimos séculos, Espanha reconheceu, num diploma assinado em 1817, a soberania portuguesa sobre o território e comprometeu-se a devolvê-lo a Portugal. Nunca aconteceu. Antes de, em 1801, Espanha anexar o território, Olivença pertencia a Portugal e ficou estipulado que seria devolvido. Nunca foi. O senhor Ministro tem razão no que toca ao papel. Mas qual papel? O papel.
Porque me lembro mal do ano 1817, era então bebé de colo, não posso avaliar se a devolução imediata teria, ou não, feito sentido. Passados mais de duzentos anos, e olhando para como evoluiu um país e outro, estou em condições de supor que os oliventinos prefiram ter hoje um salário mínimo 40% superior ao do país governado pelo Dr. Nuno Melo. Quando dizemos que Espanha deve entregar Olivença, estamos no fundo a propor levar à falência onze mil oliventinos.
Mas o ridículo desta ideia, em 2024, é também territorial: o interior português foi sendo condenado ao abandono ao longo da História. Portugal é um país relativamente pequeno que, com apenas 200 quilómetros de largura, fez a proeza de criar um “interior” e um litoral – o que é cómico, por exemplo, para qualquer brasileiro. Como pode ser tão difícil garantir um mínimo de coesão territorial num país que no Brasil seria uma junta de freguesia? É risível que uma nação concentrada nas cidades do litoral (e mesmo aí, será gentil falar em “estratégia”), com milhares de quilómetros quadrados ao abandono e à seca, reivindique mais território no interior. Precisamos de mais área para desertificar?
E é na falta de noção do ridículo que isto assenta. Foi o próprio dr. Nuno Melo quem alertou: “eu sei que muitos avaliam a circunstância caricatural”, mas o assunto “não é de ontem. É de hoje”. Quando hoje, a única coisa de que se pode acusar Espanha nesta matéria é de ter condenado onze mil pessoas a não partilhar nacionalidade com o Cristiano Ronaldo. Pastéis de nata à parte – e as nossas azeitonas, que são em tudo melhores que as espanholas -, conheço quem, no interior, não se importasse de ter sido anexado pelos nuestros hermanos. Não eu! Que não trocava o meu país nem por duas Barcelonas, três Bilbaos e dez Sevilhas. A mim, basta-me a Rua de Olivença em Évora, que essa sim é nossa, como tantas outras pelo país. Que são, de facto, nossas.
A deles, lá terá de ficar, com o seu invejável salário e as suas azeitonas péssimas.
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