A casa do clube de jazz mais antigo da Europa está encerrada há um ano, após decreto da Câmara Municipal de Lisboa, por questões estruturais do edifício. Fundado em 1948 por Luís Villas-Boas, o Hot Clube Portugal instalou-se na Praça da Alegria no início dos anos 50, oferecendo desde então sentido ao nome da praça. Em 2009, um incêndio destruiu a cave do velho nº 39, impondo a migração para umas portas abaixo, onde se manteve até ao ano passado. A solução, provisória ou não, tarda em aparecer.
Declaração de interesses: estudei na Escola de Jazz do Hot Clube, tenho amigos e conhecidos entre os alunos, professores e órgãos do Hot Clube. Por coincidência, estive lá até ao último minuto, na última noite em que a porta abriu, um punhado de horas antes do fecho. Feito o disclaimer, tudo isto é irrelevante para a escolha do tema. O Hot é, há décadas, uma instituição incontornável no panorama cultural e artístico nacional – na formação, criação e produção musical – e o seu encerramento é assunto da cidade e do país.
Para assinalar um ano de porta fechada, o Clube levou um ciclo de concertos ao Parque Mayer – nas traseiras da Praça a que chama casa – na passada quinta-feira. “Não podíamos deixar de assinalar esta data para nos lembrar que o tempo passa a correr (…) e reforçar a urgência da resolução do problema das nossas instalações”, discursou Pedro Moreira, presidente do Conselho Diretivo do Clube. Um programa com o trio de Mário Laginha, o quarteto de Carlos Bica, o trio de Rita Caravaca e uma série de formações com alunos da escola do Hot, para assinalar o “facto menos feliz”, celebrando o reencontro possível com o público, os sócios, os músicos. Os bilhetes esgotaram em tempo recorde, enviando sinal de uma comunidade forte, fiel e, no entanto, desalojada. Não pode ser.
Num momento histórico em que os centros das cidades perdem, todos os anos, espaços culturais emblemáticos para a gentrificação, é urgente reafirmar a importância dos espaços de encontro, de cultura e excelência artística. É fulcral que o Estado, as autarquias e as comunidades se comprometam com a defesa do interesse público, preservando os seus bastiões nas cidades. O compromisso expresso da Câmara Municipal de Lisboa com uma solução para o Hot Clube é de saudar, mas tarda em ganhar forma. A resposta estava prevista para o dia do 75º aniversário do Clube, em março, contudo passou, entretanto, um ano e não parece haver sinal. O prejuízo, para o Clube, é imenso. Para a cidade também.
Em palco, no Parque Mayer, Pedro Moreira invocou 2024 como o ano do centenário do nascimento do fundador do clube, visionário e figura maior do jazz em Portugal, Luís Villas-Boas. “Devemos-lhe”, defendeu, a reabertura do Hot o mais depressa possível. Acrescento: um país que não seja capaz de compreender e honrar esta dívida não estará à altura do talento de quem o faz andar para a frente. Tantas vezes, à custa da própria Alegria.
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