Segundo uma sondagem à boca do Café Central, cada vez menos pessoas acreditam em bons anos novos. Apanhadas numa sequência de catástrofes mundiais sem fim à vista, seguidas ao minuto há vários anos, muitas optam por mostrar contenção nos votos para 2024. “Olha, filho, eu já nem digo nada!” Porque também já aprendi a lição, concentro os meus votos de ano novo numa ideia muito simples: conversarmos mais e melhor uns com os outros.
A espiral de desânimo parece ter aflorado em 2020, quando caímos no erro de acreditar que nada poderia piorar depois daquele annus horribilis. Desde então, os calendários parecem empenhados em provar a Lei de Murphy: se as coisas podem piorar, pioram. Passados quatro anos de crises “sem precedentes”, sobre as quais somos bombardeados com notificações ao segundo, já ninguém acredita na ideia de que o novo ano poderá vir a ser o melhor de sempre. É preciso muita audácia, ou muita fé, para ver a luz ao fundo do túnel. Pois, temos de conseguir.
Para além das questões que ainda não conseguimos resolver como sociedade – a pobreza, a precariedade e as desigualdades sociais – os últimos anos trouxeram um emaranhado de problemas planetários, perante os quais nos sentimos ansiosamente impotentes. Para piorar (obrigado mais uma vez, Murphy), vivemos submersos num novo clima informativo, sensacionalista e altamente aditivo, de alerta em permanência, que nos intoxica e radicaliza, isolando-nos em bolhas viradas para dentro.
Comecemos pela escala dos problemas: o combate às alterações climáticas, por exemplo, como a pandemia, exige um grau tal de mobilização, mudança de paradigma e coordenação entre governos, que é custoso acreditar no nosso poder para mudar alguma coisa, cada um de nós, a lavar os dentes com a sua escovinha de bambu. Ultrapassa-nos, à nossa casa, à nossa junta de freguesia, à nossa região, ao nosso país, ao nosso continente, tal como a inflação, as guerras, a evasão fiscal, a ameaça das autocracias, a instabilidade do xadrez geopolítico, a inteligência artificial ou o cibercrime. Tudo isto nos afeta profundamente, tudo isto é estratosférico. Nada disto se resolve numa eleição, ou num despacho do governo. Somos impotentes.
Como se não bastasse, esta ansiedade é estimulada em permanência numa comunicação social em boa parte viciada no escândalo, na intriga e no “BREAKING NEWS!”, mas particularmente nas redes sociais. A forma como permitimos que os algoritmos penetrem na nossa vida íntima, do acordar ao deitar, durante as refeições, o trabalho e as pausas, sozinhos ou acompanhados, com informação filtrada e emoções primárias, está a intoxicar-nos. Distantes uns dos outros, perdemos a capacidade de conversar, de debater ou de respeitar opiniões diferentes. Ganham os populismos, os extremos e os fanatismos. Não tem de ser assim.
Há, defendo, algo que podemos fazer para sermos mais felizes neste ano novo. Por esta altura já percebemos que não adianta esperar milagres, mas sim agir. Vivemos tempos complexos. Façamos então por estarmos coletivamente preparados para os atravessar com saúde, amizade, consciência e comunidade, dentro do que está no nosso controlo. Para 2024, desejo que sejamos todos mais capazes de sair da bolha, de desligar com mais frequência do online, de ler livros, de ver filmes, de ouvir música, de não esquecer a importância da beleza, da harmonia, da solidariedade, da camaradagem – tudo isto ainda existe! -, e de conversar, olhos nos olhos, com pessoas diferentes de nós. Dialogar. Combater o sectarismo, o fanatismo e dar espaço aos outros para serem quem são. Desintoxicar o debate e o dia-a-dia.
Mais natural que o desalento tem de ser o instinto para nos ouvirmos e estarmos juntos. Pois, um excelente ano novo para todos!
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.