A seleção de futebol da ultradireita acaba de ganhar dois novos pontas-de-lança: Milei na Argentina, Wilders nos Países Baixos. Aliados fervorosos de Trump, ambos lembram versões adaptadas do anterior (e possivelmente também futuro) presidente dos Estados Unidos da América. Em 2024, é provável que as eleições para a Casa Branca e para o Parlamento Europeu tragam más notícias para as democracias liberais. Portugal, com a queda do Governo, acaba de se pôr na fila.
Tentemos abstrair-nos dos penteados de Trump, Milei, Wilders (ou Boris Johnson), para incluirmos na equação Le Pen, Meloni, Bolsonaro, Orbán, Chrupalla, Abascal, Ventura e companhia. Com as devidas distâncias, une-os um discurso securitário que se alimenta do medo (dos ladrões, dos assassinos, dos violadores, dos estrangeiros) e do ressentimento (contra as “elites”, os políticos, os imigrantes, o cosmopolitismo, os intelectuais, as cabalas internacionais). Prometem mão firme, controlo e fronteiras para restabelecer “a ordem” e “acabar com a bandalheira”. Na Economia querem menos Estado, menos regras, menos direitos laborais. A “bandalheira” que resultaria daí não lhes faz confusão.
Entre tudo o que ficámos a conhecer sobre o novo presidente argentino – popularizado como comentador televisivo indignado, que fala com o falecido cão por via de um médium e concorre à presidência para “acabar com o Estado” -, há um vídeo particularmente elucidativo sobre o seu programa político. Junto a um quadro branco com a orgânica do Estado argentino, Milei arranca, um por um, os post-its com os nomes dos ministérios que pretende eliminar, gritando: “afuera!”. Ministério da Cultura, afuera! Ministério do Ambiente, afuera! Ministério das Mulheres, afuera! Ministério da Saúde, afuera! Há alguém em Portugal capaz de gostar do programa?
Tanto a vitória de Milei, como a de Wilders, receberam vivas em Portugal. Milei recebeu do fundador e candidato presidencial da Iniciativa Liberal Tiago Mayan uma mensagem de encorajamento no Twitter: “Seguimos por la libertad”. Se é protocolar que os governantes da esfera internacional saúdem os novos presidentes eleitos, honrando a diplomacia e o fair play democrático, é curioso que Mayan se voluntarie para o fazer. É caso para dizer litterally no one asked. Além do mais, escolhendo enfatizar o valor comum da “liberdade”, chavão-maior da IL, perante a eleição de um presidente saudado por Trump e Ventura, que reivindica a liberdade de proibir o aborto. Já Wilders – vencedor das eleições nos Países Baixos com um programa anti-imigração e anti-União Europeia, que em Janeiro veio à Convenção do Chega -, recebeu de André Ventura o abraço virtual: “a seguir será Portugal!”. Goste-se, ou não, estas figuras estão a vencer.
Independentemente dos fatores que levam hordas de pessoas a votar nesta família política, há um clima inegável: muitos eleitores se sentem “fartos”. Na Argentina, por exemplo, a segunda volta eleitoral colocou o candidato Sergio Massa, ministro das Finanças do Governo anterior, como rosto de uma recessão económica arrastada há anos, contra “a mudança”: Milei. Na Holanda, Wilders é “a mudança” face a um ressentimento contra a imigração e contra a dita agenda woke. No seu discurso de vitória, o “Trump holandês” citou o eleitorado: “estamos fartos disto”.
Em Portugal, as pessoas estão fartas de salários baixos, impostos mal distribuídos, casos empancados, serviços públicos insuficientes e há quem esteja a surfar esta onda – contra as elites, contra os políticos e contra os imigrantes. Venha o diabo e escolha. Os populistas modernos aí estão: falam como quem está fora do sistema (por mais que floresçam lá dentro), sem medo da elite (por mais que a elite os financie), prometem resgatar a “ordem” (financeira, social, os bons costumes) perante uma população cansada (de quê? Logo se vê). Eles são a “mudança”. Os partidos democráticos – e, em particular, a esquerda – estão a cometer esse erro: deixar que os populistas personifiquem a mudança.
Se o objetivo é vivermos melhor, não faz sentido que a voz da mudança nas eleições seja a que anuncia a destruição das bases da mínima justiça social, construídas ao longo de séculos, mas sim aquela que explica (bem!) como pretende ampliá-las. Ampliar a liberdade do indivíduo, garantindo o respeito pela individualidade, pela diversidade, o direito à mobilidade e à não-discriminação. Ampliar a liberdade de quem trabalha, garantindo salários dignos, proteção laboral e serviços públicos funcionais. Tudo isto parece básico, mas a mudança é por aí.
Ou isso ou já sabemos: afuera!
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