Na última semana, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) divulgou publicamente as conclusões do “Grupo Melhor Justiça” referente à temática “Megaprocessos e Processo Penal: Carta para a Celeridade e Melhor Justiça”.
Criado pelo CSM, este grupo dedicou-se à análise dos desafios dos megaprocessos e propôs soluções para uma justiça penal mais célere e eficiente, com a avaliação de uma “possível revisão do Código de Processo Penal, revisitando nomeadamente a fase de instrução criminal”.
Antes de mais, cumpre de forma sucinta explicar no que se traduz a fase de instrução criminal, para melhor se perceber o atual sistema e aferir as vantagens das possíveis alterações à lei processual penal neste aspeto concreto.
Em Portugal, o processo penal divide-se em três fases principais: inquérito, instrução (facultativa) e julgamento.
A fase de inquérito é a primeira fase do processo penal em Portugal, e é conduzida pelo Ministério Público (MP), que atua como dominus (ou “senhor”) do inquérito, coadjuvado pelos OPC´s, (ex.: PJ, GNR, PSP), o que significa que o Ministério Público tem o controlo total sobre esta fase, decidindo a sua direção e as diligências necessárias para determinar se existem indícios suficientes para acusar alguém da prática de um crime e levá-lo a julgamento, ou arquivar o inquérito por falta de indícios ou por não se ter conseguido apurar a identidade do autor dos factos.
A fase de instrução criminal é uma fase opcional do processo penal que ocorre após a fase de inquérito e antes da fase de julgamento. O seu objetivo principal é verificar se existem indícios suficientes para levar um arguido a julgamento ou manter a decisão de arquivamento.
A fase de instrução é conduzida por um juiz de instrução criminal.
O pedido deve ser apresentado no prazo de 20 dias após a notificação da decisão do Ministério Público de acusar ou arquivar o processo, devendo o requerente indicar os factos e as provas a analisar na instrução.
Em sede de instrução, o juiz pode realizar novas diligências, ouvir testemunhas, consultar documentos, determinar a realização de perícias e interrogar o arguido.
A fase termina com um debate instrutório, onde as partes apresentam argumentos finais e culmina com um despacho de pronúncia ou não pronúncia.
Na fase de instrução criminal em Portugal, a análise das vantagens e entropias pode ser feita com base nos princípios de eficácia processual, garantias de defesa e segurança jurídica.
Como vantagens, temos a garantia de direitos fundamentais, uma vez que se permite ao arguido, querendo, colocar em crise o despacho de acusação antes do julgamento, e dá ao assistente (ofendido) a oportunidade de reverter um eventual arquivamento do Ministério Público; existe um reforço da imparcialidade, o que pode evitar a realização de julgamentos desnecessários, reduzindo a sobrecarga dos tribunais e concede uma maior oportunidade de produção de prova, com a possibilidade de se realizarem novas diligências e ouvir testemunhas, fortalecendo ou enfraquecendo a acusação.
Como desvantagens ou problemas, podemos apontar a demora processual, uma vez que a fase de instrução pode prolongar excessivamente o processo, especialmente se houver abuso de pedidos de diligências ou estratégias dilatórias, implica mais recursos judiciais e custos para os envolvidos, corre-se o risco de existirem decisões incongruentes, já que o juiz de instrução pode decidir diferentemente do Ministério Público, gerando inconsistências e, em alguns casos, uma sensação de impunidade e pode ser usada como estratégia para atrasar a realização do julgamento.
O que propõe o grupo de trabalho relativamente a esta fase processual facultativa?
De forma inovadora, pretende-se consagrar que o conteúdo da instrução seja formado obrigatoriamente e apenas pelo debate instrutório, que deve ser agendado no despacho que admite o requerimento de abertura da instrução. E é nesse debate que se praticam os atos excecionais de produção de prova, se forem admitidos.
Ou seja, a fase de instrução deixará de funcionar como um “pré-julgamento”, com produção de prova, muitas vezes de forma exaustiva e passará a confinar-se apenas ao debate instrutório, excetuando os casos em que se afigure útil e necessário à boa decisão da causa, a produção de prova.
Pretende-se manter a instrução, mas confinando-a à discussão de questões de direito que tenham a virtualidade, na perspetiva do requerente, de obstar a que o arguido seja submetido a julgamento, e bem assim à análise da prova indiciária que sustenta a acusação ou que determinou o arquivamento, o que deve ser efetuado pelo juiz de instrução criminal.
Atualmente, a fase de instrução funciona como um mecanismo de controlo, garantindo que apenas processos com indícios suficientes avancem para julgamento. No entanto, a sua aplicação deve equilibrar a proteção dos direitos do arguido e a necessidade de eficiência na justiça, evitando demoras excessivas, não sendo necessária em todos os casos, devendo ser, a nosso ver, usada apenas quando há dúvidas relevantes sobre a decisão do Ministério Público.
A alteração legislativa que se pretende consagrar, mantendo-se a fase de instrução como fase processual, afigura-se necessária e adequada às finalidades que com a mesma se pretendem alcançar, evitando maiores delongas processuais. Na verdade, a fase de instrução não pode, nem deve ser um pré-julgamento, com reprodução de prova, já colhida em inquérito, antes se destinando a ser requerida em casos excecionais e com a produção de prova reduzida apenas aos casos em que haja manifestas dúvidas sobre a prova, pois o seu objetivo não é decidir sobre a culpa ou inocência do arguido, mas apenas verificar se existem indícios suficientes para que o processo avance para julgamento.
A fase de instrução deve ser um mecanismo de controlo processual, e não um pré-julgamento.
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