“Mudança nem sempre é igual a melhoria, mas para melhorar é preciso mudar” – Winston Churchill, político e antigo primeiro-pinistro do Reino Unido.
A Portaria nº266/2024/1, de 15 de Outubro, com entrada em vigor amanhã, 3 de dezembro, procede ao alargamento das regras de tramitação eletrónica constantes da Portaria nº280/2013, de 26 de agosto, aos processos e procedimentos que correm termos nos serviços do Ministério Público, bem como aos atos que lhe são legalmente atribuídos.
No preâmbulo daquele diploma legal refere-se que a transformação digital da justiça é uma prioridade, sendo indispensável ao combate da sua morosidade, já que uma das áreas em que a ausência de regulamentação da tramitação eletrónica tem sido mais notória é a fase de inquérito dos processos penais, onde a falta de digitalização dos procedimentos tem sido identificada como fonte de muitos constrangimentos à celeridade processual, e à possibilidade de libertação dos recursos humanos para realocação a outras tarefas menos burocráticas.
A desmaterialização de inquéritos refere-se ao processo de digitalização e eliminação de documentos físicos em processos de inquérito, utilizando sistemas informáticos para registar, armazenar e processar informações, ou seja, uma tentativa de eliminação do papel e, consequentemente, dos processos físicos que se amontoam nas secretarias dos tribunais e nos gabinetes dos magistrados.
A questão que se impõe é a de saber se na presente data os tribunais estão preparados para tal mudança.
De um modo geral estamos apreensivos, expectantes e curiosos para perceber quais os benefícios e eventuais entropias que teremos que enfrentar, não olvidando que o mundo está em permanente mudança e que temos de nos adaptar ao mundo digital que transformou a forma como vivemos, trabalhamos, aprendemos e nos conectamos.
Não obstante, ao nível dos tribunais existem alguns constrangimentos que poderão entorpecer o processo, designadamente falta de recursos humanos (funcionários e magistrados), falta de equipamentos adequados (computadores, monitores, digitalizadores), sistemas informáticos lentos, conexão de internet insuficiente (nem todos as salas e gabinetes dispõem de acesso à internet), falta de apoio técnico, necessidade de formação e, ainda, a resistência à mudança por parte dos magistrados e funcionários habituados aos processos tradicionais.
O sistema informático CITIUS, utilizado diariamente nos tribunais por funcionários e magistrados, foi criado em 2007 com o objetivo de agilizar e desmaterializar os processos judiciais. Este sistema te vindo, ao longo dos anos, a ser alvo de sucessivas atualizações e é com este sistema, com o qual já trabalhamos diariamente, que vamos entrar na era da desmaterialização dos processos.
Para além dos referidos constrangimentos existem ainda preocupações, que passamos a elencar:
- O risco de poder existir um ataque informático que ponha em causa a segurança da informação contida no sistema informático. Na presente data os processos para além de estarem digitalizados e inseridos no sistema informático estão reproduzidos fielmente em suporte papel, o que vai deixar de existir;
- A falta de protocolos de segurança robustos e a necessidade de acautelar informações sensíveis (por exemplo informação referente a uma vítima de violência doméstica que está em casa abrigo e cuja localização convém manter confidencial);
- Ao que acresce que o sistema informático CITIUS não é compatível com os sistemas dos Órgãos de Polícia Criminal (OPC), existindo dificuldades em integrar diferentes sistemas ou plataformas digitais, ou seja os sistemas não “comunicam”. A informação que nos é remetida pelos OPC tem necessariamente de ser digitalizada pelos senhores funcionários, caso não tenha sido remetida por correio eletrónico, e depois introduzida no sistema informático.
Para superar essas dificuldades, é necessário um planeamento estratégico robusto, que inclua: investimento em tecnologia, formação de magistrados e funcionários judiciais, sinalização dos pontos críticos, criação de um sistema integrado entre os OPC e os tribunais, criação de políticas de segurança digital e atualização da legislação para ser compatível com a desmaterialização, o código de processo penal e outra legislação avulsa preveem determinados procedimentos que não são compatíveis com a desmaterialização.
Não nos opomos à desmaterialização, a qual entendemos ser necessária, já que tem o potencial de agilizar os processos e melhorar a transparência, contudo não podemos deixar de assinalar que existem diversas dificuldades associadas à sua implementação, o que causa resistência no processo de mudança.
Na verdade, a resistência é um obstáculo comum em qualquer processo de mudança, mas pode ser mitigada com planeamento adequado, envolvimento ativo das partes interessadas e um esforço conjunto para demonstrar os benefícios da digitalização e melhorar o sistema judicial.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.