Tantas vezes a sexualidade é vivida com inibições e medo e outras tantas que nem se chega a viver. Quantas vezes deixámos de perseguir o prazer sexual por medo do que os outros pensam? Quantas vezes já deixamos de viver o amor em plenitude por termos medo?
As razões para isto são diversas, mas uma delas é de ordem socio-cultural, ou seja, as crenças, ideias e atitudes que internalizamos da sociedade em que crescemos. E os 50 anos de democracia trouxeram transformações profundas na forma de viver o amor e o sexo. Mas ainda há resquícios do duplo padrão de moral sexual – em que o homem é activo e a mulher é passiva -, ainda lutamos pelas igualdades, e muitos não são ainda capazes de se apropriar da sexualidade de uma forma plenamente livre. A liberdade também traz o respeito pela diferença do outro e da sua liberdade. Isto é fundamental na sociedade, a prática da alteridade. A consideração e respeito pelo outro e pelas suas escolhas, que podem ser diferentes das minhas.
O que quero dizer é que precisamos ser muito livres internamente, para podermos perseguir o prazer sexual, e viver a sexualidade como algo que nos pertence por direito. E o que tenho observado ao longo de 25 anos de prática clínica, é que muitas vezes as escolhas relativas à relação amorosa e sexual ainda são baseadas no medo. É o medo que nos impede. Medo de sofrer, medo de amar, medo de expressar sentimentos, medo da intimidade, medo da entrega. Lembro-me da cação de Vinício de Morais, “Como dizia o poeta”, Eu francamente já não quero nem saber/De quem não vai porque tem medo de sofrer/Ai de quem não rasga o coração/Esse não vai ter perdão/Quem nunca curtiu uma paixão/Nunca vai ter nada, não.
Podemos continuar a lista de medos. O medo do abandono, o medo de envelhecer, o medo de não ser suficientemente bom parceiro, suficientemente atraente ou bom amante. No universo masculino destaca-se o medo de falhar, que pode trazer perdas e danos consideráveis na auto-confiança e até na função erétil.
Uma ditadura fecha e oprime, bloqueia o pensamento e impede-nos de escolher. Ainda há resquícios do medo do que os outros pensam e ainda se fazem escolhas baseadas neste medo. Nasci em 1971 numa vila alentejana, onde aprendi a odiar a preocupação com o que os outros pensem ou digam, o que me fez desenvolver uma rebeldia que ficou em mim até hoje. A capacidade de acreditar e confiar no que vinha de dentro de mim, acima do que os outros diziam ou do que dita a sociedade, começou aqui. Foram os primeiros passos no meu caminho de valorizar a liberdade, que é o bem maior nesta vida, mas tão difícil de conquistar. É este o principal objectivo do meu trabalho como psicoterapeuta: trabalhar a favor da liberdade, por facilitar a abertura de espaços novos dentro da pessoa, para ela poder fazer escolhas mais livres, sem prisões.
Os caminhos da liberdade são sempre difíceis e têm um preço alto. Já o senti em vários momentos e valeram todos a pena. Muitos o sentiram antes de mim. É como disse ontem o Sérgio Godinho, “a liberdade está sempre em construção”.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.