Paulina Porizkova foi considerada uma das mulheres mais bonitas do mundo. A ex-top model habituou-se a ser olhada como objeto de prazer e a ter o seu corpo usado como uma tela em branco para desfilar roupas das grandes marcas internacionais e ser fotografada pela sua aparência. Como acontece a muitas manequins, a sua personalidade foi abafada, anos a fio, pela sua beleza. O que pensava e o que dizia não interessava a muita gente, nem ao seu marido, como recentemente deu a conhecer ao mundo. Paulina fez-se mulher dentro de uma torre de cristal, cobiçada e adorada pela sua beleza estonteante, ganhou muito dinheiro ao longo da carreira, mas foi agora, depois dos cinquenta anos de idade, que deu o ‘grito do Ipiranga´. Depois do marido inesperadamente falecer, foi informada de que ele a tinha retirado (a ela e aos filhos) do testamento. Viu-se, de repente, sem acesso a cartões bancários, às contas, ao dinheiro. O marido tratava de tudo, geria os bens e as propriedades, e Paulina confiava. Mas deu errado. Pormenores à parte, porque não é da vida íntima desta mulher que vamos falar, o que importa perceber é que apesar de ter tido uma vida de bonança e um casamento de mais de trinta anos, percebeu à força que as mulheres são genericamente consideradas interessantes e desejáveis até por volta dos quarenta anos. Não ter rugas, parecer ser mais jovem do que se é, e ser desejada por outros são critérios para a valorização social e relacional de uma mulher.
Paulina comenta que quando tinha 45 anos publicou fotos em biquíni e por isto foi criticada nas redes sociais. Chamaram-na de velha e ridicularizaram a sua atitude. Hoje, com 56 anos, mantem o corpo de modelo, esbelto e elegante. Que razões levam pessoas a humilharem em público, ou em privado, a atitude de uma mulher que se fotografa em biquíni com quarenta e poucos anos? Quem determina se é legítimo uma mulher expor o seu corpo senão ela própria? A aproximação da menopausa significa a decadência social das mulheres? Porquê? Quem lucra com isto? As mulheres claramente não lucram, mesmo as que fazem críticas abusivas a outras. Podemos ir assiduamente ao ginásio ou injetar botox no rosto, que o processo de envelhecimento não irá parar. Envelhecer é natural, acontece todos os dias…e é normal. Contudo, as mulheres são as grandes vítimas da cultura anti-ageing, como se fosse lógico combater-se a idade por medo e vergonha de envelhecer. Mas não tem nada de lógico.
Dissequemos então este preconceito do idadismo que a Paulina expos publicamente há dias numa entrevista feita pelo projeto StyleLikeU. No fim de cada resposta retira uma peça de roupa, vai ficando despida e termina a entrevista em roupa interior. Põe (-se) a nu o preconceito que tem sentido na pele nos últimos anos pelo facto de já não representar, para os outros, a beleza estereotipada e icónica que um dia teve e que alimentava o desejo do seu marido e o desejo alheio. Apesar de ser uma mulher linda, percebeu que a beleza serve de pouco a partir de uma certa idade. Revela, nesta conversa, um pouco da realidade comum às mulheres depois dos quarenta e cinquenta. Beleza todas temos com vinte e trinta anos, mesmo que não tenhamos sido presenteadas com a genética (ou a lotaria) da beleza estonteante. A ideia de sermos jovens e frescas cruza-se com o nosso potencial reprodutivo e é esta a fórmula que confere às mulheres o seu valor social. Passada esta fase, e a caminho dos quarenta, o panorama começa a mudar e a pressão sobre a idade a aumentar. Paradoxalmente, o mundo que busca de maneira sôfrega a espiritualidade, a sustentabilidade e o bem-estar, é o mesmo que entra em pânico com o processo de envelhecimento. A sustentabilidade emocional e psíquica também faz parte do pacote do bem-estar, mas este aspeto está a ser largamente ignorado.
Paulina Porizkova optou por não fazer cirurgias ao rosto nem tratamentos que a fizessem parecer mais nova. Optou por assumir-se de forma natural. E se por um lado encontrou nas redes sociais outras como ela que também buscam viver sem as pressões sociais de já não parecerem ter trinta anos, também se deparou com comentários de gente que a quer colocar na prateleira dos usados.
Por outro lado vejamos, de que forma a sociedade ocidental perceciona o envelhecimento dos homens? Ainda existe o enviesamento de se achar que os grisalhos os valorizam e lhes dão charme? Sim, é possível que ganhem charme. Mas as mulheres também. Se os chamados ‘cabelos de prata’ são uma fonte de valor, então a pessoa que os usa é charmosa independentemente do género. É preconceituoso haver dois pesos e duas medidas. E a quem está a pensar “ah, mas elas parecem mais velhas”, pergunto: mais velhas do que quem? Por que razão tem tanta vergonha de envelhecer?
Uma sociedade que reduz o sucesso e a utilidade das mulheres a um intervalo de idades pré-delimitado, é machista e discriminatória por colocar as apostas nos homens deixando as mulheres de lado. Uma mulher depois dos quarenta entra na categoria da quarentona, um termo que balança entre o desdém e o libidinoso mal resolvido, mas de vintona ou trintona nunca ouvimos falar. E isto não é um acaso.
Contra esta falácia que beneficia uns em detrimento de outras, mulheres maduras têm tomado o seu espaço nas redes sociais. Surgem comunidades ‘cabelos de prata’ e perfis de mulheres comuns ou famosas que se estão a borrifar para o mofo de certas cabeças e para a invisibilidade que a sociedade impõe. A Íris Apfel foi pioneira e inspiradora, mas hoje existem muitas outras de cinquenta, sessenta, setenta anos que se filmam, opinam, mostram os seus dons, representam marcas, e, acima de tudo… gerem a vida como querem e divertem-se. Não é para isto que estamos cá?
A sociedade patriarcal julga as mulheres pelo simples facto de serem mulheres e confere-lhes validade enquanto estiverem ‘em idade fértil’. Passado este período, começa a olhá-las e a representá-las como mulheres pela metade, velhas (no sentido pejorativo que a palavra pode ter), sem poder. Há que mudar esta perceção redutora e preconceituosa. O potencial do ser humano, e das mulheres em particular, é multidimensional e infinito. Não limitemos ninguém ao tamanho pequeno de estereótipos e ideias conservadoras que minguam a felicidade e a livre expressão das pessoas. Como defende a atriz brasileira Cláudia Raia – em plena menopausa diz estar na melhor fase da sua vida -, “não é a idade que nos define”.
Iniciemos a Revolução de Prata! É hora que juntarmos vozes e fazermos a mudança necessária. Todas somos Paulina.
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