Posso ir para a praia ou corro riscos de apanhar um cancro da pele (ou, em alternativa, ter o benefício de aumentar a minha produção de vitamina D, benéfica para os ossos)? Tenho um pouco de peso a mais, mas sou saudável. Devo tentar perder peso para evitar complicações cardiovasculares (mas, no processo, aumentar levemente a minha probabilidade de infecções)? Devo restringir a ingestão de carne vermelha para evitar o cancro do cólon (mas deixar de ter o benefício da ingestão de proteínas)?
Quem não já pensou nestes riscos?
Estamos constantemente a ser “inundados” de informação sobre riscos em saúde, com sugestões que alguma medida correctiva será necessária para podermos viver com segurança. Lembram-se da doença das “vacas loucas”? Da utilização de telemóveis e o perigo de termos cancro do cérebro? Da gripe A (íamos morrer todos: um responsável da OMS chegou a afirmar que era possível que morressem 150 milhões de pessoas a nível mundial…)?
Estas notícias destinam-se a assustar-nos, já que é bem sabido que vendem mais revistas, aumentam as audiências televisivas (há lá melhor maneira de iniciar um telejornal do que com um “susto alimentar…) e permitem demonstrar que os sistemas de saúde estão preocupados com a saúde dos seus cidadãos. No processo, confundimos e alarmamos as pessoas e subestimamos muitas vezes os riscos com verdadeiro impacto sobre a saúde (o chamado “sinal”, em oposição ao “ruído” desta informação inútil).
O conceito estatístico de risco define-se como a probabilidade que alguma coisa aconteça. Nesse sentido, se eu comprar um bilhete da lotaria “arrisco-me” a ganhar o 1º prémio. Em saúde, o conceito de risco é sempre negativo já que se refere a um evento adverso, uma lesão ou um acontecimento prejudicial.
Os media estão cheios de notícias como esta: doentes mais baixos morrem mais que os mais altos, têm mais doença coronária e acidentes vasculares cerebrais, mais insuficiência cardíaca, cancro oral, doença pulmonar crónica obstrutiva, doenças mentais e doenças de fígado. Estes resultados provêm de um estudo (Int J Epidemiol. 2012 Oct; 41(5): 1419–1433) que analisou uma base de dados com quase 1.100.000 doentes e procurou relacionar a altura individual de cada pessoa com riscos de um conjunto de doenças, tendo determinado aqueles valores. No entanto, nem tudo são rosas para os mais altos: neste estudo, por exemplo o aumento médio do risco de melanoma (um cancro grave da pele) por cada 6,5 cm de altura a mais, foi de 12-42 % (!…).
Como deveremos interpretar estes dados? Devem as pessoas com menor altura ficar preocupadas?
Podem ficar descansados os leitores mais baixos, que estes números pouco significam.
No moderno mundo da epidemiologia da doença crónica, as análises de bases de dados de grandes dimensões com informação clínica (a chamada big data) consegue frequentemente identificar riscos de pouca monta, mas não consegue fornecer informação capaz para sobre eles decidirmos que fazer. O facto de se identificar um risco (por real que seja), não quer dizer que seja importante fazer alguma coisa, já que clinicamente podem não ter qualquer importância pela simples razão que dificilmente alterarão a vida das pessoas que os apresentam.
Então, como deveremos analisar os riscos reais, ou, por outras palavras, como separar o ruído do sinal?
O primeiro passo é tentar determinar se o risco é real, isto é, se há uma relação causal entre o factor de risco e a doença específica (uma relação forte é mais provavelmente verdadeira). O segundo passo é definir, caso exista uma relação causa-efeito, se ela é suficientemente importante para valer a pena preocuparmo-nos. A maior parte das pessoas não sabe que os eventos graves na vida das pessoas são relativamente raros (menos de 1 % cada 10 anos de vida, com natural aumento com a idade). Se um factor de risco duplicar este risco (absoluto), apenas passa para 2 %. Ou, posto de outra maneira, apesar de tudo o paciente tem 98 % de hipóteses de não vir a ter qualquer problema nos 10 anos seguintes. Finalmente, é preciso analisar cuidadosamente se a intervenção que nos propomos fazer não traz consigo riscos próprios, quem sabe mais altos que os originais que queremos tratar, a chamada análise de benefício-risco (que tem que se garantir ser positiva, isto é, a intervenção deve fazer mais bem que mal).
Voltando às notícias, qual é então o nível de risco a partir do qual deveremos começar a preocupar-nos?
Claro que não existe uma resposta precisa para esta pergunta, mas epidemiologicamente uma associação forte é a que aumenta o risco 10 ou mais vezes (900% ou mais), enquanto uma associação fraca é a que nem duplica o risco (menos de 100 %). Eu, pessoalmente, não me preocupo com um risco que pelo menos não duplique a minha probabilidade de doença (mais 100%). Aqui tem uma métrica sensata.
Da próxima vez que ler no jornal que comer um alimento qualquer ou ter uma característica física qualquer aumenta o risco de morte por exemplo de 13%, simplesmente ignore esta informação e preocupe-se com os riscos verdadeiramente importantes. Um exemplo? O tabagismo, já que um doente que fume 20 cigarros por dia tem 30 vezes mais hipóteses de ter cancro do pulmão, isto é, tem um risco aumentado em quase 3.000 %…