Nos bastidores, já pouco discretamente, a política de coesão da União Europeia (UE) começa a ser empurrada para segundo plano. A provável saída do Reino Unido, um dos maiores contribuintes líquidos, obriga a repensar a arquitetura financeira europeia e a reavaliar os resultados de políticas que, até hoje, são pilares incontestados da união. No exercício de corte e costura, à boa tradição de Bruxelas, surgem perguntas incómodas para países que, como Portugal, se habituaram à cultura das “subvenções”. Se o objetivo dos fundos europeus é a convergência de rendimentos, por que há países que marcam passo e outros que avançam rapidamente? Porque é que o pilar da solidariedade funciona mais em uns Estados que em outros? Qual é o prazo de validade para a política de coesão mostrar resultados?
Os fundos europeus chegam a Portugal há trinta anos, fazem parte da mobília, mas nos grandes números o rendimento do País tarda em convergir para a média europeia e é ultrapassado por Estados de Leste, que só tiveram acesso a envelopes financeiros a partir de 2004. Portugal tem um produto per capita de 77% da média europeia (atingiu 81% em 2009-10), a mesma percentagem que a Eslováquia e um pouco acima dos 74% da Lituânia e Estónia – três países que tinham metade do rendimento médio europeu quando entraram na UE. Das oito regiões portuguesas, apenas o Algarve (78%) e Lisboa (106%) mostram um rendimento per capita que as exclui de receber fundos estruturais.
A última crise financeira/económica pregou muitas partidas à riqueza dos países, mas curiosamente, em vez de reforçar o argumento a favor dos fundos europeus, expôs as suas fragilidades e os próprios limites da política de coesão. Em Portugal, por exemplo, o investimento caiu de forma abrupta, apesar dos cheques de Bruxelas negociados à cabeça e de algumas cláusulas de exceção aprovadas para países sob resgate. A política de coesão serviu pouco de compensação, de contrapeso, em tempo de crise. O co-financiamento do Estado, obrigatório para um projeto avançar, travou e está ainda a condicionar o uso dos fundos europeus.
A falta de resposta da política da coesão abriu a porta ao chamado plano Juncker, um programa de investimento que acaba de ser reforçado e ampliado no tempo: tem agora capacidade para mobilizar 500 mil milhões de euros e durar mais dois anos, até 2020. Cada projeto é aprovado pelo mérito em vez de ter de cumprir critérios fechados para ser candidato a um programa operacional desenhado pelo Estado, como acontece nos fundos europeus. Nos 22 mil milhões que Portugal deve receber em política de coesão, entre 2014-2020, há pouco espaço para novas infraestruturas, por exemplo. Mas o plano Juncker não têm essas restrições, nem exige co-financiamento nacional, nem se limita às regiões mais pobres e pode não ter impacto no défice. Portugal contabiliza já 11 projetos aprovados, no valor de 645 milhões de euros.
A flexibilidade tem um preço. Ao exigir uma maior pró-atividade de um país, o plano Juncker não faz “discriminação positiva” entre Estados e premeia os melhor preparados. O Chipre, por exemplo, ainda não viu aprovado nenhum projeto. No primeiro balanço do plano de investimento, feito este ano, Portugal também criticou a concentração geográfica dos projetos. Bruxelas prometeu entretanto fazer ajustes na organização do plano Juncker, onde não existe um único português, nem no comité de investimento, nem na administração, nem na direção do próprio Banco Europeu de Investimento.
O certo é que o plano Juncker, que nasceu para financiar projetos de maior risco e retirar a economia europeia da apatia, está a ganhar peso face à velha política de coesão. As duas modalidades de investimento têm “luz verde” para coexistir lado a lado em alguns projetos, com o plano Juncker a financiar o que já está vedado aos fundos. Mas dado o recente reforço do plano de investimento é preciso encontrar novas verbas no orçamento europeu. No início, a Comissão Europeia foi buscar cinco mil milhões a políticas como o Horizonte 2020, gerido por Carlos Moedas, e ao Mecanismo Interligar a Europa. A política de coesão pode ser o novo alvo.
Bruxelas está a sondar os Estados-membros para perceber qual a fatia de fundos europeus que estão dispostos a abdicar em favor do plano de investimento. Para Portugal, e outros países da coesão, a flexibilidade está próxima de zero. Para os contribuintes líquidos, é melhor alimentar o plano Juncker do que a política de coesão. As duas fações voltam a enfrentar-se daqui a um ano quando começar a ser discutido o quadro financeiro pós-2020. Pela primeira vez, do outro lado da balança dos fundos europeus, vai estar um novo plano de investimento com resultados para mostrar.