António Costa mudou substancialmente o discurso do governo português em relação aos refugiados. Ao contrário de Passos Coelho – lembro-me do ex-primeiro-ministro, no sul de Espanha, declarar que não podíamos receber tantos e que só ficaríamos com poucos -, Costa tem dito a toda a Europa que podemos acolher mais refugiados. E também se dispôs a recebê-los melhor.
Disse-o na Alemanha, o que tem um significado especial, pois a chanceler Angela Merkel foi a líder política europeia que abriu as portas do seu país, no final do verão passado, numa altura em que as portas de toda a Europa se fechavam aos que cruzavam o Mediterrâneo e os Balcãs. E fê-lo com inteligência e malícia: a periferia sugeriu ao centro ajudá-la a lidar com um fardo demasiado pesado. Repetiu a façanha, por carta, dirigindo-se aos seus parceiros da Grécia, da Áustria e de Itália, países assolados por vagas de refugiados, e da Suécia, tradicionalmente um porto de abrigo para os refugiados.
Costa diz que o nosso país pode receber 10 mil refugiados. Não sei de onde veio o número redondo, suspeito até que não resulte de nenhum estudo aprofundado, que seja um daqueles “golpes de asa” em que António Costa parece ser useiro e vezeiro. Seja como for, o primeiro-ministro propõe-se receber refugiados que procurem um porto seguro para estudar e outros que tenham apetência pela agricultura.
A iniciativa de António Costa é um sinal de upgrade civilizacional e uma provocação à burocracia de Bruxelas.
Acolher pessoas em dificuldades, que fogem da guerra, sempre foi apanágio dos melhores, dos mais civilizados, dos que não temem. É uma atitude que só alcança o nível civilizacional quando é entendida como “dever” de uma comunidade, ultrapassando a expressão individual – embora possa ter essa faceta, para o bem e para o mal –, e daí que eu diga que é um atualização positiva da política do Estado, face à protagonizada por Passos Coelho.
Costa teve ainda o mérito de pôr a nu a paralisia de Bruxelas – ou a má vontade – em relação aos refugiados. Mesmo pela bitola do anterior governo, a quota nacional de acolhimento encontra-se muito longe de preenchida. Parqueados em Itália, na Grécia e na Turquia (a União até financia um programa para os turcos não lhes abrirem as fronteiras do seu país), os que fogem podem aspirar a mundos mais sofisticados do que a Campina de Idanha ou a escolas mais exigentes e capazes do que um politécnico do interior. Mas é certo que qualquer destes dois destinos é melhor do que o de um campo de refugiados em Lesbos ou o lumpen de Istambul. Enquanto a máquina de Bruxelas pede autorização a uma roda dentada antes de colocar outra a mexer, paralisando tudo, atirar à cara de Merkel, em Berlim, a disponibilidade portuguesa, Costa deixou a nu a hipocrisia com que os governos europeus lidam com esta questão. É política, é certo, mas isso é melhor e mais do que o nada de Passos Coelho em relação aos refugiados.