Agora que o mercado do Bolhão anda em obras (e já não era sem tempo!), vem a propósito lembrar que, há pouco mais de cem anos, era costume fazer-se, no Porto, a eleição da “Rainha dos Mercados” – numa imitação, digamos assim, do que há muitos anos se fazia em Paris.
Os dois mais importantes mercados daquele tempo eram o do Bolhão e do Anjo. A organização do ato eleitoral era assegurada pelo Clube dos Fenianos, antiga e prestigiada coletividade portuense de recreio e cultura, ainda em atividade e pujante de vitalidade.
O prémio que se atribuía à vencedora, não era nada para desprezar: nada mais nada menos do que um cordão de ouro comprado para esse efeito numa das ourivesarias da rua das Flores onde, “… de um lado eram só ourives/ e do outro mercadores…. “
Claro que a eleição nem sempre era levada a sério e, às vezes, muitas aliás, descambou para o hilariante e não raras vezes para o grotesco. Foi o que aconteceu, por exemplo, na eleição de 1909. O Mercado do Bolhão ainda era o antigo.
Naquele ano, os eleitores para fugirem “às cunhas deste e daquele“, que “apadrinhavam“ determinadas vendedeiras, (os caciques, sempre em ação…) resolveram pregar uma partida aos apoiantes de certas vendedeiras e elegeram, como Rainha dos Mercados, uma toucinheira, já cinquentona, “pau para toda a colher“, como era identificada pelas crónicas da época (tenha lá isso o significado que tiver…) e que se lhe referiam, também, como sendo dona de uma “respeitável pera e bigode… “.
Para uns tantos, aquilo foi uma escandaleira. Mas para a maioria dos frequentadores do mercado, em particular, e para a população da cidade, em geral, a ideia resultou como um acontecimento muito divertido e deveras hilariante.
O ritual da eleição cumpriu-se à risca. Houve também o tradicional cortejo que desfilou por várias ruas da cidade mas, desta vez, com a nossa rainha sentada, não num trono forrada a veludo, no cimo de uma caleche, mas numa tosca cadeira de pinho, montada… numa carroça.
Depois da tradicional volta, o cortejo regressou ao Bolhão e dirigiu-se logo para a barraca da toucinheira que de imediato foi contemplada, não com o tal cordão de ouro, mas com uma enfiada de chouriços de sangue que, “com toda a solenidade“, lhe foi colocada ao redor do pescoço. Como ceptro, ou ela não tivesse sido eleita rainha, meteram-lhe na mão direita um avantajado pernil.
Esta foi a divertida eleição da Rainha dos Mercados em 1909. O acontecimento veio relatado nas primeiras páginas dos jornais da época. E serviu de mote aos poetas populares. Uma das mais curiosas estrofes que andaram de boca em boca por esse tempo, foi esta: “Sou Rainha dos Mercados/O meu reino é o Bolhão/A minha coroa é o nabo/ O meu ceptro é o salpicão”
Agora a sério: os intervenientes no ato eleitoral e a rainha foram do Bolhão à sede dos Fenianos para explicar aos senhores da coletividade, por que haviam optado por transformar a eleição da rainha dos Mercados do Porto numa brincadeira.
Acabaram por ser brindados a champanhe. E a popularidade da “rainha barbuda“ foi tal, que passou a figurar nos cortejos carnavalescos que os Fenianos organizavam todos os anos. E num deles, foi-lhe mesmo oferecido, pelos estudantes, o tal cordão de ouro de lei…