Todos conhecemos alguém que se suicidou, próximo, anónimo ou célebre: suicidam-se mais de 800 mil pessoas por ano, uma pessoa a cada 40 segundos. Com maior grau de probabilidade conhecemos alguém que tentou o suicídio, de entre as 16 milhões de tentativas anuais, mas não sabemos da sua tentativa. É ainda mais provável conhecermos uma ou mais pessoas que, no presente, pensam em suicídio – 1 em cada 5 pessoas têm ideação suicida. Neste Setembro Amarelo, o mês da prevenção do suicídio, o que é vamos fazer para prevenir novas e reincidentes tentativas? Porque para cerca de 560 mil pessoas, este ano já chegámos tarde demais.
(Enquanto leram este parágrafo, com a atenção e reflexão devidas, uma pessoa suicidou-se. Ocorre um suicídio a cada 40 segundos)
Sabemos muitas coisas sobre o suicídio, da estatística à prevalência, da prevenção ao overlaping quase perfeito entre doença mental e suicídio. Sabemos quantas pessoas se suicidam anualmente: mais de 800 mil – aplicando os critérios de estimativa da Organização Mundial da Saúde, em 2023 já ultrapassámos as 900 mil mortes por suicídio – e os números continuam a crescer. Sabemos quem são estas pessoas: os homens põe término à vida 3.85 vezes mais do que as mulheres, que por seu turno cometem 70% das tentativas; o suicídio é a segunda causa de morte da Geração Z, e as minorias são grupos de risco mais elevado. Também conhecemos ao tema alguma geografia, porque o suicídio é superior no mundo em desenvolvimento e a oriente, face ao mundo ocidental. E sabemos alguns porquês: mais de 90% das pessoas que se suicidam tinham sintomas ou doenças mentais – depressão, em 60% dos casos. Mas apesar de sabermos tanta coisa, continuamos a preferir dar vida aos mitos e ao preconceito, como se as cinco sílabas do su-i-cí-di-o nos convocasse um pavor metafísico indigno de tanto conhecimento científico. Provavelmente ainda convoca, ao ponto de 20 países continuarem a criminalizar o suicídio e a tentativa, mantendo viva a tradição jurídica das sociedades cristãs que em 452 d.C. o proclamavam crime – não vamos mais longe, no Reino Unido a tentativa e o suicídio foram crime até 1961. E apesar de sabermos que os únicos métodos eficazes para diminuir esta estatística avassaladora são a prevenção e a literacia em saúde mental, só 38 países têm planos nacionais de prevenção do suicídio e ao ano de 2024 o estigma continua reinante: silêncio, que se falarmos de suicídio, ele aumenta.
Que erro supersticioso: falar sobre o suicídio nos nossos círculos é necessário e seguro, e falar mediática mas responsavelmente sobre suicídio, sem sensacionalismo ou divulgação pormenorizada, é preventivo – uma conversa que tem de seguir guidelines que a OMS e a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) divulgam há ano. Em 2024, a chamada à ação do Dia Mundial da Prevenção do Suicídio é esta: #StartTheConversation. Vamos começar esta conversa a sério?
Mitos e preconceitos. Não é fácil coligir todos os mitos em torno do suicídio, dada a infinda criatividade humana para segmentar as dificuldades. Mas alguns preconceitos destacam-se: (1) as pessoas que se suicidam são fracas, egoístas e pouco inteligentes; (2) pessoas bem sucedidas não se suicidam; (3) a tentativa de suicídio é manipulação, para chamar a atenção; (4) quem fala sobre cometer suicídio não se mata; (5) quem tenta uma vez, não tenta novamente: (6) falar sobre suicídio com alguém com uma doença mental é incentivar ao suicídio; (7) quem pensa suicidar-se não aceita ajuda.
Para os desconstruir, apresento-me desde já como prova. Sobrevivi-me a duas tentativas de suicídio, a primeira atabalhoada e adolescente, ainda sem o diagnóstico de depressão e síndrome de ansiedade generalizada. Teria falado sobre suicídio de bom grado, e melhor recebido ajuda e o tratamento adequado para prevenir a reincidência. A verdade é que o suicídio não é, na muito ampla maioria dos casos, uma escolha pela morte mas a incapacidade de continuar a viver num sofrimento insuportável. Não é querer morrer, é querer fazer parar a dor. E, tal como as doenças mentais, a possibilidade de suicídio é extremamente democrática e transversal. À dor e à doença é indiferente o estatuto.
A desconstrução destes mitos é essencial para a prevenção do suicídio, que deve ser pensada em três planos: a prevenção primária, de evitação do suicídio na população em geral; a prevenção secundária, que procura prevenir tentativas em pessoas identificadas como sendo de alto risco; e a prevenção terciária, que, perante o suicídio consumado, evite o contágio. Estratégias de prevenção, informação e comunidade.
As vidas que perdemos por suicídio, perdemos por fracasso coletivo. Por perpetuação do estigma, da iliteracia, pelo preconceito social em relação às doenças mentais que inibe a procura de ajuda e tratamento, por um silencio amedrontado incapaz de perguntar “Estás a pensar suicidar-te?”.
Vamos começar esta conversa?
(Ao longo dos cerca de 6 minutos de leitura desta crónica, suicidaram-se 9 pessoas. Uma pessoa suicida-se a cada 40 segundos)
Caso se sinta no limite, por favor procure ajuda junto dos seus, das urgências hospitalares, das linhas de apoio:
Serviço de Aconselhamento Psicológico do SNS24: 800 24 24 24
SOS VOZ AMIGA: 213 544 545 – 912 802 669 – 963 524 660
CONVERSA AMIGA: 808 237 327 – 210 027 159
VOZES AMIGAS DE ESPERANÇA DE PORTUGAL: 222 030 707