Finalmente, ao fim destes anos todos, André Ventura assume-se como salazarista – mas pelas razões que o leitor conhecerá no último parágrafo deste texto. Está, evidentemente, no seu pleno direito. Em entrevista à SIC, repercutiu as palavras que estávamos habituados a ouvir a certos taxistas, sempre um suposto barómetro dos sentimentos populares: “Do que isto precisava era de um Salazar em cada esquina.” Embora Ventura seja mais comedido: a ele, para pôr o País em ordem, bastam-lhe “três salazares”. Ou quatro.
Presumindo que já temos um, o próprio presidente do Chega, é preciso procurar, pelo menos, mais dois. E isso é um esclarecimento que André Ventura fica a dever ao País. Quem serão os seus dois parceiros? É lamentável: mais uma vez, o líder populista manda para o ar promessas que não são concretizadas em números. Ou melhor: concretiza desta vez, em números. Mas não em nomes. Nós, os eleitores, exigimos que André Ventura nos diga quem são os outros dois patriotas do triunvirato que vai salvar Portugal. (Não do “triunviriato”, porque isso, na semana em que foi lançado o novo álbum de Astérix, já está ocupado). Fica o desafio.
Ao mesmo tempo que sugeria aos portugueses que se deixem salvar por “três salazares”, André Ventura, o candidato presidencial que vai pôr isto na ordem (com a ajuda, repita-se, de outros dois) espalhou cartazes pelo País, onde, com o seu retrato, se diz: “Isto não é o Bangladesh.” E noutro: “Os ciganos têm de cumprir a lei.” Independentemente do potencial incidente diplomático com aquele país asiático – uma televisão privada com mais de três milhões de subscritores no YouTube, a Jarmuna TV, fez uma reportagem em Portugal, entrevistando imigrantes daquele país, que pedem uma atitude da sua embaixada junto do Governo português… –, logo vieram várias vozes exigir uma intervenção do Ministério Público. A deputada Isabel Moreira, do PS, invoca mesmo o artigo 240º do livro II título III do Código Penal que estabelece as balizas do crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência: Quem desenvolver “atividades de propaganda que incitem ou encorajem à discriminação contra grupo de pessoas em razão da sua origem étnico-racial, origem nacional ou nacionalidade” está a cometer esse crime.
Mas é uma injustiça: o dr. André Ventura não está a discriminar ninguém, está só a dizer evidências: Isto (presume-se que o País) não é o Bangladesh, evidentemente. E a prova de que não há discriminação é que já tem um novo cartaz na calha, onde se diz: “Isto não é a Alemanha.” E ainda outro, para a fase seguinte da campanha: “Isto não é a Suécia.” E, finalmente, na última semana, está previsto o cartaz: “Isto não é o Canadá.”
Quanto aos ciganos, também é verdade que devem cumprir a lei. Um lembrete que o dr. Ventura vai estender a outras camadas da população. Por isso, já estão na gráfica vários cartazes para as fases seguintes, na corrida a Belém: “Os canhotos têm de cumprir a lei.” Outro: “Os dextros têm de cumprir a lei.” E ainda outro: “Os deputados do Chega têm de cumprir a lei.” Embora haja dúvidas sobre se a campanha mantém apenas “deputados”, neste cartaz, ou se estende o aviso a todos os militantes, depois de um candidato autárquico ter sido detido esta semana, por tráfico de droga. Este talvez seja, aliás, o cartaz com mais impacto, bem como aquele que terá a mensagem mais certeira.
Portanto, o País só tem a agradecer a André Ventura, o homem que pretende ser Presidente da República, procurador-geral da República, diretor nacional da PSP e comandante das forças de segurança em geral. Um trabalho hercúleo, mas alguém tem de o fazer. Como o Salazar original, Ventura está pronto a sacrificar-se pela Pátria. Recentemente, disse que, se mandasse no País, o presidente da Câmara Municipal de Oeiras, por exemplo, Isaltino Morais, autor de um vídeo corrosivo para a imagem do “Andrézito”, seria preso. Não explica com que acusação ou julgamento, mas é uma medida urgente. E, para isso, André Ventura já estudou o modus operandi do COPCON de Otelo Saraiva de Carvalho, em 1975, que pretende, agora, reproduzir e aplicar: a partir de Belém, é ele quem assinará os mandados de captura em branco que vão permitir limpar Portugal.
A prova de que não há discriminação é que Ventura já tem um novo cartaz na calha, onde se diz: “Isto não é a Alemanha.” E, para a fase seguinte: “Isto não é a Suécia.” Finalmente, na última semana da campanha, está previsto o cartaz: “Isto não é o Canadá”
E quem o obrigará, se for eleito, a jurar cumprir e fazer cumprir a Constituição? Afinal, para que é que isso serve? Uma boa constituição é aquela que os rapazes da Mocidade Nacional – organismo a criar assim que o salvador tomar conta do País –, composta pelos militantes OnlyFans do Chega, terão de exibir nas redes sociais: bíceps, tangas de tigresa e boa perna. Tudo gerido pela influencer e candidata a primeira-ministra Rita Matias e supervisionado pela responsável do novo SPN, Maria Vieira. O Presidente Ventura vai mandar na polícia e nos tribunais e ele é que vai decidir quem pode e quem não pode intervir no espaço público, nomeadamente, acabando com o jornalixo, a soldo das elites, bem representado por figuras como o recém-falecido “militante da extrema-esquerda” (como muito bem apontou Rita Matias) Francisco Pinto Balsemão. Pelo contrário: as elites são para varrer. Só fica o povo simples e puro, incluindo o seu mais alto expoente de simplicidade e pureza: os magnatas influentes, empresários envergonhados e aristocratas de sangue azul que financiam o Chega.
Quanto aos subsidiodependentes, a esses será feita guerra sem tréguas. A começar pelos beneficiários do RSI e a acabar nos 60 deputados do Chega. Uma vez expulsos os imigrantes, até eles vão ter de começar a trabalhar. Pedro Frazão agarra numa enxada e vai cavar vinha para Santarém. Rui Paulo Sousa será destacado para a apanha de frutos vermelhos em Odemira. Filipe Melo fica a servir à mesa numa tasca de Braga. Pedro Pinto vai para a pesca da sardinha, em Olhão. E Rita Matias passa a lavar os rabos aos idosos num qualquer lar do País, à sua escolha.
A bem dos valores tradicionais da família portuguesa, André Ventura dará o exemplo, sendo progenitor de um rancho de filhos. Pois se a antiga primeira-dama, Manuela Eanes, foi mãe em Belém, porque há de ser a Dina menos do que ela? Em Belém, sim, porque as obrigações, de um Presidente, 24 por 24 horas, não se compadecem com o humilde apartamento de 30 metros quadrados, onde vive em condições ainda mais sub-humanas do que os amontoados de imigrantes em regime de “cama quente” em Arroios. É verdade: o novo Presidente da República é um exemplo vivo das vítimas das políticas de habitação dos governos da extrema-esquerda, obrigado a viver num tugúrio indigno, num condomínio de luxo do Parque das Nações, em Lisboa. Ele próprio será o lídimo representante dos jovens casais afetados pela crise da habitação. E já que falamos em Arroios: depois de expulsar os imigrantes que se empanturram com os subsídios da Segurança Social, a viver em habitações sobrelotadas, ele vai autorizar os jovens portugueses de bem a serem, agora eles, a sobrelotar essas mesmas casas. Não precisam de agradecer.
E o que dizer dos tachos? Os tachos que o sistema institucionalizou e que os partidos do sistema monopolizam, alimentando clientelas e fomentando a corrupção? Isso tem de acabar. No País da 4ª República, um novo sistema vigorará. E nesse novo sistema, os tachos são para rapar. Perceberam, agora, por que razão André Ventura precisa de três salazares?