O artigo 9° da Constituição da República Portuguesa diz que “são tarefas do Estado(…) f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa”.
Esta alínea é, não poucas vezes, citada para defender a rigidez conservadora que ainda prima na língua portuguesa.
Ora pois bem, proteger a língua não é condená-la ao conservadorismo linguístico, nem à irrelevância. É saber que num mundo globalizado qualquer língua será influenciada pelos filmes, pela música, pela emigração, pelos memes, pela internet.
O português de Camões não é o nosso: o nosso português é do mundo, é pop, é também da internet e dos jovens.
A própria forma de comunicar dos nossos políticos é anacrónica. Os grandes partidos portugueses do arco governativo ainda usam a linguagem do século XX, mesmo quando tentam abraçar temas do âmbito digital, como a inteligência artificial, as redes sociais, a desinformação e fake news. É isto também um reflexo de como se fala na nossa nação.
Nos últimos tempos, têm saído várias notícias que reportam o descontentamento de alguns pais por verem que os seus filhos estão a falar, cada vez mais, em português do Brasil. A crítica é legítima, cada família saberá o que acha melhor para os seus mais novos. Porém, as famílias têm um grande papel na aquisição da língua. Se uma criança está a falar português do Brasil é porque está a ser exposta a isso mesmo. Porventura, as horas excessivas no TikTok e no YouTube – algo que os pais devem controlar, é da sua responsabilidade – são uma causa deste “problema”. Ocupar os pequenotes com este tipo de conteúdos para não chatearem talvez seja má solução para pais que não valorizam a riqueza do português.
Para além disso, estranho seria se o país com mais falantes da língua portuguesa não influenciasse Portugal.
Se há país, neste momento, que defende a língua portuguesa com unhas e dentes, é o Brasil. A forma como integra expressões de outras línguas, como inventa novas palavras, como está presente nas redes sociais…
E se, em vez de se criticar o português do Brasil por evoluir, Portugal fizesse o mesmo e abraçasse o português do mundo atual, um português que sim, tem uma história riquíssima, mas que tem de dar o próximo passo, ou então corre o risco de morrer. O complexo colonialista de Portugal pode ser a morte a morte da língua. A defesa de uma língua portuguesa que já não existe não passa de uma tentativa mesquinha de glorificar um passado inventado.
Nós, portugueses, que tão bem conhecidos somos pela facilidade em aprender novas línguas, arriscamo-nos a matar a nossa por puro medo de um progresso que é natural, imposto apenas pelos tempos.
Somos dois países, uma língua. Aproveitemos a diversidade do português do Brasil. Só assim conseguimos cumprir a Constituição na defesa do português.
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