Com a saída de Catarina Martins de coordenadora do Bloco de Esquerda, cai o 5.º líder de partidos da oposição, desde que o PS obteve a maioria absoluta. Num ano, Francisco Rodrigues dos Santos (CDS), Rui Rio (PSD), Cotrim de Figueiredo (IL) e Jerónimo de Sousa (PCP) também já tinham sido substituídos. Se formos um pouco mais atrás, verificamos que, desde 2018, o PSD mudou de liderança não uma, mas duas vezes. Que o CDS já tinha mudado em 2016, com a saída de Paulo Portas e a entrada de Assunção Cristas, por sua vez substituída, em 2020, pelo fogoso “Chicão”. E que também o PAN, em 2021, fez a sua mudança de líder, com André Silva a dar o lugar a Inês de Sousa Real. Ou seja, em sete anos como primeiro-ministro, António Costa já conseguiu “despachar” nove líderes de outros partidos, sendo que, só à direita, viu sair nada menos do que seis. António Costa, senhor absoluto dos socialistas desde 2014, é, portanto, um dos dois líderes realmente longevos da política portuguesa. E quem é o outro? Adivinharam: André Ventura. Isto há de querer dizer qualquer coisa.
As razões para a despedida de Catarina Martins, explicadas pela própria, fazem sentido. A ideia de “fim de ciclo” é completamente ajustada ao momento presente. Catarina era a última peça museológica da velha e agora abandonada e enferrujada geringonça, se excetuarmos o seu dínamo, António Costa, reciclado na “máquina sofisticada” da maioria absoluta. A ainda coordenadora do Bloco, que será substituída em maio, identificou que a virada de página mostrou um País de protesto, de lutas sociais, de greves e de reivindicações várias. Para apanhar este comboio, o Bloco não podia ter um rosto com o ferrete da ex-geringonça, hoje um tanto ou quanto deslocada no tempo. Catarina Martins representou a imagem de um partido que queria ser governo. Mariana Mortágua, embora uma “adiada ministra das Finanças”, pode voltar ao registo do protesto, que exercerá muito melhor. (Mas mesmo este nome não convence a linha mais dura do Bloco, que defende a tomada das ruas e do megafone do descontentamento). Em tempo de polarização, percebeu Catarina, interessa radicalizar.
O BE passou 16 longos anos, entre 1999, ano da sua fundação, e 2015, nas margens do protesto. Escondeu debaixo do tapete os estafados modelos dos primórdios do século XX, que estiveram na sua génese, o leninismo e o trotskismo, preferindo exibir uma mensagem inovadora. Tal como, 20 anos depois, a Iniciativa Liberal (fenómeno que funciona, à direita, como imagem invertida de espelho…), o Bloco surgiu fresco, inovador e imaginativo. Na altura, trazia um programa de causas fraturantes e identitárias que sopravam a poeirada dos velhos conflitos sociais baseados na dialética entre explorados e exploradores. Não: o Bloco não era o partido dos trabalhadores, era o movimento da modernidade. Tal como, 20 anos depois, a IL, ao chegar ao Parlamento, eles iam sem gravata. O marketing espetacular que precedeu, em duas décadas, a imaginação dos liberais, sensibilizou exatamente as mesmas faixas etárias, nas mesmas elites e nos mesmos bairros urbanos que estes penetrariam em 2019 e, sobretudo, em 2022. Um eleitorado urbano e casual chic que, entretanto, envelheceu e viu convertidas em leis progressistas (aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo…) as principais bandeiras bloquistas – sem que o BE tenha mais nada para apresentar ou conquistar. Tal como a IL vinte anos depois, o Bloco tinha mais votos no Restelo do que em Alcântara. E, com o definhamento ideológico do PCP, as margens suburbanas e excluídas ficavam para pasto do Chega.
Os 16 anos iniciais de protesto revelavam um partido com aversão ao Poder e imune aos cantos de sereia dos salões governamentais. Um partido com medo de se tornar adulto. Um partido Peter Pan. A partir de 2015, porém, surgiu a oportunidade de dar o salto. Quase sem que se desse por isso, a estratégia teve uma inversão de 180 graus. O Bloco aburguesou-se e convenceu-se de que, pela mão do PS, chegava lá.
Havia um problema. António Costa conhecia muito bem o Bloco e as suas intenções. Em intervenções públicas anteriores, o líder do PS já tinha identificado o partido fundado por Francisco Louçã, Luís Fazenda e Miguel Portas como um perigo mortal para o PS. Nunca lhe passou pela cabeça levar o BE para o Governo. E quando o partido Peter Pan, finalmente, quis crescer, tomou consciência, com horror, de que, afinal, António Costa era o capitão Gancho.
Golpe de vista
Imobiliária Costa, Lda.
Numa das medidas para a Habitação, o Estado propõe–se arrendar e subarrendar casas devolutas, encarregando-se, ainda, da reabilitação. Ou seja, o Governo escolhe os armários de cozinha e o pavimento para a sala. Podem recorrer ao amigo de Sócrates, ele saiu-se bem, em Paris.
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