Enquanto Passos e Seguro se entretêm em jogos de sombras onde cada um vai escondendo a sua agenda indizível, cá fora a realidade encarrega-se de tornar ainda mais pueril este espetáculo, montado apenas para confundir as escolhas que se aproximam. Nos últimos dias, o inquérito do INE aos rendimentos e condições de vida de 2012 revela que, num ano, aumentou cerca de 19% o número de cidadãos que vivem em risco de pobreza. São já 2 milhões as pessoas nestas circunstâncias, a acrescentar ao número dos que já são considerados efetivamente pobres. A OCDE, num relatório com nome elucidativo – Olhar a sociedade em 2014 -, explica porquê. Caem 2 700 empregos por semana em Portugal e isso arrasa qualquer veleidade estatística. Mas arrasa, também, a perceção sobre certas instituições, minando a democracia e dificultando a capacidade de recuperação do tecido económico, com consequências funestas para o crescimento. Governo e bancos, revela o documento, deram um tombo brutal na confiança dos portugueses, mas repare-se que o período analisado (entre 2007/2008, ou seja, pré-crise, e 2013) abrange governos PS e PSD/CDS. Ninguém do chamado “arco da governação” fica de fora.
E, no entanto, os jogos florais vão-se desenrolando perante os nossos olhos. Um encontro de três horas e nada sobre o que se lá passou. De Passos não nos espanta, porque ele só fala quando tem cortes para anunciar e dos próximos cortes só quando a primavera estiver definitivamente instalada. Mas Seguro surpreendeu. Pela negativa. Não quis explicar o que se passou, ele que a toda a hora exige do “Governo explicações aos portugueses”. Atirou com o sound byte pré-cozinhado da “divergência insanável” e fechou-se em copas. Está, assim, o PS de António José Seguro: frases grandiloquentes, zero de substância. O PS não quer cortes, mas como baixar o défice? Quer a reforma do Estado, mas que propostas tem? Quer renegociar a dívida, mas como ser ouvido em Berlim e em Bruxelas se foi incapaz de protagonizar consensos? Que condições colocou Seguro em cima da mesa antes do importante almoço de Passos com a chanceler alemã? O líder do PS, aspirante a governar, estava obrigado a informar os portugueses. Não o fez, mas a senhora Merkel foi elucidativa nos elogios. No passa nada.
A Passos e a Seguro convém continuar a jogar estes jogos de espelhos, desses que distorcem a dimensão e a proporção do real, porque pretendem que cada português veja apenas o lado distorcido que cada um quer transmitir. O chefe do Governo só pensa verdadeiramente em como recuperar a tempo para as legislativas de 2015; o líder da oposição está obrigado a pensar no curtíssimo prazo. Desde já nas europeias, nas quais tem de obter um bom resultado para não ser apeado na liderança, e, depois, no fim do programa de ajuda financeira. Se a saída não for “limpa”, vai exercer toda a pressão para legislativas antecipadas, pois sabe que dar mais tempo a Coelho pode ser perigoso. Alea jacta est, mas entretanto…
Sabe-se agora que a EPAL cortou, no ano passado, o fornecimento de água a quase 12 mil famílias por falta de pagamento; e que, no último trimestre de 2013, o custo da unidade de trabalho caiu 6,5%, a maior queda da Zona Euro. Como se isto não bastasse, o primeiro-ministro anunciou, candidamente, que os despedimentos sem justa causa, proibidos pela Constituição, vão ficar mais baratos. Assim se percebe para que servem estes jogos.