Karl Seglem é músico e poeta e, ao vivo, descola por vezes os lábios do saxofone para dizer poemas da sua autoria, em que muitas vezes demonstra a sua inquietude perante o futuro do planeta.
Com vários livros de poesia publicados, e ainda mais discos, trabalhou no passado com Jon Fosse, fazendo uma digressão por vários palcos com o Nobel da Literatura norueguês.
Para Portugal traz na bagagem o último álbum, Path.Hope.Myth, com poesia e um jazz com influência da música folk do seu país.
A poesia e a música chegam-lhe do mesmo sítio? Como funciona esta ligação? Como sabe se vai escrever um poema ou uma composição?
Lancei o meu primeiro livro de poesia em 2006, mas não fiz uma ligação entre poesia e música. Demorei algum tempo a chegar lá, porque a música é muito abstrata, enquanto a poesia está lá escrita. Talvez tivesse medo de a ler. Eu sei tocar um instrumento muito bem, mas não tinha confiança suficiente no que escrevia.
Além disso, a música instrumental é muito poderosa, pois o ouvinte pode imaginar as suas próprias palavras. Ao invés, grande parte da música de hoje em dia está cheia de texto. Há alguns anos, comecei a ler poemas, com os meus músicos, uma forma diferente de ligar a poesia à música. E a minha poesia também é pouco narrativa e bastante abstrata. Mas, claro que quando se traduz para inglês perde-se qualquer coisa.
As línguas são muito distantes? Perde-se muito na tradução?
Sim, o som é muito diferente. Algumas vezes li em inglês e não me senti muito confortável. Então um dos ouvintes sugeriu que lesse em norueguês. Gosto dessa ideia de percebermos sobre o que se trata, sem realmente perceber. Nos concertos, vou ler em norueguês, mas passando legendas em inglês.
Seria mais fácil se fosse um escritor de canções…
Tenho algumas canções escritas, mas muito poucas. Como sou um saxofonista, prefiro cantar através do o instrumento.
De que forma é que a sua música está alinhada com a tradição de jazz norueguesa?
Toquei muito em big bands. Quando era novo procurava tocar a música americana, mas não me sentia confortável, porque não sou muito bom a copiar. Comecei então a procurar a música folk norueguesa. Temos na Noruega um instrumento de corda, o hardanger fiddle, com um longo repertório.
Comecei a aprender esta tradição e a construir a minha própria linguagem improvisando a partir daí. Nunca improviso sobre os standards americanos, mas sobre a tradição norueguesa. Acrescento-lhe jazz, porque jazz para mim é sinónimo de liberdade.
Como foi o trabalho que desenvolveu com Jon Fosse?
Em 1996, trabalhámos juntos num disco, em que lemos excertos dos seus livros. E em 2006, ele leu poesia e eu gravei. Fizemos muitos concertos em trio. Ele é um grande fã de música folk norueguesa, aliás ele costuma ouvir música barroca enquanto escreve. Recentemente também atuei numa peça de teatro em que ele escreveu parte do texto. Temos como projeto fazer uma nova série de concertos em que ele lê partes das suas peças de teatro. Encontrei-o recentemente e ele voltou a falar-me disso. Espero que venha mesmo a acontecer.
De disco para disco, como faz para soar diferente dentro da mesma linguagem?
Depende muito dos músicos com quem trabalho. Dou especial atenção aos concertos. Cada vez mais é importante tocar ao vivo. Há muita música destruída por máquinas, mas enquanto houver músicos a tocar ao vivo e pessoas ao ouvir, estamos a salvo da invasão da inteligência artificial.
Que se pode esperar do concerto em Portugal?
Espero conseguir levar o público através de uma viagem, em que vou juntar a música com a poesia. Gosto de fazer do concerto um contínuo sem grandes interrupções.
Apesar da subjetividade, alguns dos seus poemas têm uma intenção ecológica…
O conjunto de poemas que trago chamam-se Medo Profundo / Tranquilidade Profunda e falam sobre o que irá acontecer com a Terra e os ecossistemas. A Noruega ainda quer tirar mais petróleo do mar e isso não é aceitável.
Toda a situação do mundo assusta-me. Mas, por outro lado, subsiste o prazer da criação, da calma, uma profunda tranquilidade que é muito importante. Passo muito tempo da natureza, tenho uma relação forte com a montanha, o ambiente, esses são elementos muito inspiradores.
Misty Fest
Com 16 concertos, quase todos em apresentações duplas, o Misty Fest decorre, entre Lisboa e o Porto, de 1 de novembro a 1 de dezembro, em várias salas de espetáculos. A programação é variada, incluindo tanto nomes nacionais, como Salvador Sobral, Lina e Manuel Fúria, como internacionais, de diferentes estilos.
Além de Karl Seglem (Casa da Música, 20; B.Leza, 21), entre outros, destaca-se a cabo-verdiana Nancy Vieira que apresenta ao vivo Gente, álbum que ela mesma produziu com Amélia Muge e José Martins (Casa da Música, 2: B.leza, 15); os produtores alemães Christian Löffler (Capitólio, 8; Casa da Música, 9) e Nils Hoffman (Music Box, 27); o pianista e compositor canadiano Tony Ann (são Luiz, 9; Casa da Música, 10); a harpista americana Brandee Younger (Capitólio, 15; Auditório de Espinho, 16); o trio inglês de eletrónica GoGo Penguin (CCB, 26; Casa da Música, 27); Maria João que se junta ao pianista brasileiro André Mehmari (Casa da Música, 1; São Luiz, 8); o flamenco de Rocío Márquez com Bronquio (São Luiz, 10); ou a eletrónica experimental do alemão Sven Helbig (São Luiz, 10: Casa da Música, 12).