Às vezes, o exagero é a melhor forma para mostrar como se tem tido uma visão parcial do mundo e do passado. E a história da arte que Katy Hessel escreveu sem homens é certamente uma provocação, como a própria historiadora britânica reconhece, mas não é mais do que a replicação, no lado feminino, de muitas histórias da arte tradicionais, centradas na atividade masculina.
Com este gesto, Hessel procura não só dar a conhecer obras e artistas fantásticas, hoje, como no seu tempo, e levar o leitor a questionar as representações do passado e as que queremos para o nosso presente.
Sei que o livro é já uma resposta, mas é mesmo possível escrever uma história da arte só com mulheres?
Katy Hessel: Só há uma história da arte, que deve incluir homens e mulheres. Mas cresci a ler histórias da arte que só referiam homens. Senti que era necessário escrever este livro, reconhecendo o trabalho de muitas mulheres. Também estava cansada de ver as mulheres apenas como musas ou esposas e filhas de artistas. Não: elas têm valor por si.
A pergunta também ia no sentido de saber se, mesmo sem homens, se teria um conhecimento dos principais acontecimentos, descobertas e explorações artísticas do passado?
Sim, sim. Isso é possível e ainda mais empolgante. Estão aqui todos os movimentos que, por convenção, foram assumidos para organizar a história da arte, mas com outros nomes e olhares. Este livro expande o nosso conhecimento e a história da arte tal como a conhecemos. Além disso, aqui também se faz eco dos inúmeros estudos que têm sido feitos nas últimas décadas sobre mulheres artistas e sem os quais não teria podido descobrir tantos nomes e tantas obras fantásticas.
Como explica que as mulheres tenham sido sistematicamente afastadas? Cita o caso de Ernst Gombrich, cuja História de Arte, mesmo na 16.ª edição, apenas inclui uma mulher…
Este livro é, na verdade, uma resposta a essa clássica História da Arte, um livro de referência, como o de H. W. Janson. A sua pergunta é muito interessante e, na verdade, adorava poder voltar atrás no tempo e perguntar-lhes. Esses livros foram certamente resultado da sociedade daquele tempo.
O facto de a esmagadora maioria de histórias da arte terem sido escritas por homens também não terá ajudado muito. Espero, na verdade, que esta nova abordagem e esta provocação levem as pessoas a questionar não só esse tempo, mas também aquele em que vivemos. É pôr o dedo na ferida. Porque não se trata de apagar o nome de artistas menores. Algumas foram verdadeiras celebridades em vida.
Li este livro como uma coleção de mulheres extraordinárias, pois todas tiveram de superar as circunstâncias em que nasceram, o tempo em que viveram e vingar num mundo feito de homens…
Absolutamente. Não foi fácil a estas mulheres vingarem, outra razão para falarmos delas. Foi uma luta. Alguns dos seus trabalhos não são anatomicamente precisos como o de outros artistas, nomeadamente homens? É possível, mas a sua história tem de ser contada. E é preciso perceber que a estas mulheres foi negado o trabalho com modelos vivos. Muitas aprenderam o ofício copiando obras de outros artistas.
Muitas histórias da arte têm dado maior importância à pintura e a à escultura. Alargar o que entendemos como arte permite incluir mais mulheres?
Temos de celebrar todas as formas de arte e ultrapassar a oposição entre artes maiores e menores. Se dermos espaço a mais suportes vamos encontrar obras extraordinárias. E há, de facto, vários exemplos em que as mulheres foram pioneiras ao trabalhar com têxteis ou na pequena escala.
E na pintura e na apresentação de temas clássicos, encontrou um olhar feminino diferente?
Em muitos casos, sim. Na obra de Artemisia Gentileschi, por exemplo, as mulheres estão no centro da ação, não são passivas, como se pode ver em Judite decapitando Holofernes, pintado de uma forma completamente diferente (no papel dado às mulheres) por Caravaggio. E depois há inovações incríveis, às vezes por limitações várias, no uso do autorretrato e na representação do espaço íntimo e familiar.