Querem violinos, vão à ópera”, sugeriu um dia um treinador de que lamento não recordar o nome, num daqueles momentos de dialética futebolística a propósito de lances mais bonitos ou mais eficazes. A dica talvez nem fosse totalmente despropositada, já que no sub ou no hipertexto até porventura se encontrasse um link metafórico com os míticos Cinco Violinos do Sporting. Mas o que também se pode deduzir é que possivelmente associaria a harmonia e a beleza ao operático.
Certo é que o dichote caiu em graça. O mesmo aconteceu com a ainda mais surpreendente declaração de outro treinador, a quem possivelmente se poderá reconhecer um quê de operático, Jorge Jesus, que invocou Paula Rego para falar da criação no campo futebolístico, o que não deixou de causar um certo desdém, por não parecer natural a muitos que alguém do futebol pudesse ter referências na arte, vá lá saber-se porquê. Ou talvez nem seja assim tão difícil de explicar, se recordarmos um inquérito recente que nos revelava que a maioria dos portugueses inquiridos não conseguia dizer um único nome de um artista plástico português contemporâneo. E essa é a questão, porque a ópera ou a arte contemporânea estão, aparentemente, separadas da vida de muitas pessoas?
Claro que nem todos têm que gostar de ópera, de arte contemporânea, de literatura ou seja do que for, mas o que é inquietante é que alguns ainda tenham receio de entrar numa galeria ou num teatro lírico, por se sentirem num mundo que não é o seu. O elevador cultural parece funcionar tão mal como o social.
Catarina Molder, diretora do festival de ópera independente, a decorrer no jardim do Museu de Arte Antiga, chama a atenção, nestas páginas, para a urgência de aproximar o rico património operático do público e do mundo de hoje. O pianista e compositor Filipe Raposo, que entrevistámos a propósito do livro-disco Øbsidiana, fala também da necessidade de “chão e do conhecimento do passado” para criar futuro.
E quem defende a incursão no passado para resgatar ao esquecimento muitas figuras fundamentais da nossa História e cultura é Mário Cláudio, a quem se dedica o tema desta edição, a propósito do seu novo romance Apoteose dos Mártires, sobre o qual escreve o professor José Carlos Seabra Pereira. São os destinos de Frei Redento da Cruz e Frei Dionísio da Natividade, do séc. XVII, missionários nas Índias, que o escritor ficciona neste livro, recuperando o sagrado, que, em seu entender, anda afastado da literatura.
Apoteose dos Mártires, de Mário Cláudio e muitos outros milhares de títulos vão estar à espera dos seus leitores nas feiras do livro de Lisboa e Porto, a partir de amanhã, 25, no Parque Eduardo VII, e a 26, nos Jardins do Palácio de Cristal. Certamente também Viagem a Portugal, de José Saramago. E seguindo esse itinerário saramaguiano, página a página, o jornalista Fernando Alves fez-se à estrada, 40 anos depois. Uma reportagem que é um extraordinário fresco radiofónico, que está de novo a passar na TSF e pode ser sempre ouvida em podcast e no site da rádio. É verdadeiramente reveladora a viagem e tudo o que dá a conhecer dos lugares, lendas, artes, obras, criadores, cuidadores, personagens, histórias e coisas que, sinceramente, só neste país…
É preciso apanhar o elevador cultural também para conhecer o país e os que foram criando, ao longo dos tempos, a sua identidade. Sem fantasmas ou mortos-vivos que isso é mais para o MotelX, de que também desvendámos a programação. Tal como assinalamos os cem anos de Adriano Moreira.
Já vai longa a prosa, e confirma-se que não sei escrever estes comentários. Felizmente, para o próximo JL, já sairá da pena do diretor, José Carlos de Vasconcelos. Talvez sejam estes meus três mil e muitos caracteres um pouco presumidos ou descabidos. Mas, se querem violinos, vão ao Operafest ou à Feira do Livro. Ou à mostra de teatro brasileiro, ver uma versão atualizada, com música eletrónica e hip-hop da Gota d´Água, de Chico Buarque. Ao Brasil, entretanto, já chegou intacto o coração de D. Pedro para a comemoração dos 200 anos do Grito do Ipiranga. Mas a música de Chico enche tanto as almas que talvez, escutando atentamente, se possa ouvir um “deixe em paz meu coração…”