Ele fixou os olhos nos dela como se lhe quisesse roubar o olhar ou prender o movimento. Ela por impulso posou a retina e ali ficou por algum tempo, até que, para desfazer o hipnotismo, baixou o rosto para bebericar o cocktail de verão e mirar o horizonte para verificar se o mar permanecia ali.
Ele tinha corpo firme, cabelo deslavado a puxar para o loiro, com aquele ar pueril dos surfistas de águas paradas.
Voltou a disponibilizar a vista, só para ver se acontecia. E aconteceu. Ele voltou a deitar-lhe um daqueles olhares que fazem dos olhos não um espelho da alma, mas um espelho do corpo desejado. Ele sorriu. Ela soltou uma pequena gargalhada, não necessariamente por o querer provocar, antes uma reação espontânea à excitação do momento. O mar continuava lá.
Levantou-se e andou em direção ao terraço, fazendo por não reparar que ele seguia na mesma direção pela porta paralela. Encontraram-se ao centro. Ele disse: “ Agora já não se pode fumar lá dentro.”. Ela disse: “Eu não fumo”. Ele respondeu: “Eu também não”. E riram-se . Riram-se. Ao denunciarem as intenções em simultâneo era como se nenhum fosse culpado.
Entenderam-se no riso. Ele era um surfista de águas paradas que tinha trocado o mar do Leblon por serviços de mesa nas praias algarvias. Isto durante o verão, No inverno estudava gestão para se tornar um dia dono de um dos restaurantes que o contatava. Também surfava e, clandestinamente, pintava murais nas linhas de comboio, daqueles que as pessoas se indignavam: “Quem foi o louco que arriscou a vida para grafitar isto aqui”.
Estava lá tudo. Não havia nada a fazer se não o que faltava ser feito. Essa noite ainda trocaram beijos, abraços, corpos e também telefones. Aconteceu aquela coisa estranha. O que está para ser um encontro único, cena de noite de praia de uma discoteca, escondia ali algo mais, como se o corpo fosse uma porta da alma.
A noite não foi apenas uma noite. No dia seguinte, enviava-lhe ele mensagens no intervalo do expediente, E ela ria-se e respondia, progressivamente mais ansiosa pela mensagem seguinte e sobretudo pelo próximo encontro.
As amigas acompanhavam o episódio com empolgamento estival. A Maria Lúcia, que era tida como a mais sábia, dizia-lhe: “Não seria o primeiro nem o último engate de varanda de discoteca a tornar-se uma linda história de amor”. Ela dizia que era disparate. Mas mesmo sem querer entusiasmava-se com a ideia, alimentada sempre pelas frase amorosas que ele lhe deixava no telemóvel.
Uma noite e outra noite depois. Os corpos encontraram-se e reencontraram-se em prazeres não simulados, numa física química que só acontece em momentos raros. Era tudo demasiado perfeito. Cada encontro fazia desejar o próximo.
Só que no dia seguinte, ele não disse nada. Nem um même, nem uma música, nem uma mensagem de duas palavras. Ela hesitou. Ela experimentou escrever. Não tinha sempre de ser ele a tomar a iniciativa. Escreveu outro e mais outro dia. Ele não lhe respondeu. Nunca mais lhe disse nada. Poderia ter sido morto por um gangue, repatriado para o Rio de Janeiro, ter-se afogado quando finalmente arriscara surfar. Não tinha como saber.
Ele transformou-se num fantasma e ela numa casa assombrada.