Elias apenas queria aprender a escrever sobre sexo, que como se sabe é coisa sobre a qual a maior parte dos escritores preferem ficar calados, excepção feita a Guillaume Apollinaire e a suas fantásticas “Onze mil vergas”, leitura aconselhada para este Verão, sobretudo se vai a banhos para a Roménia ou fazer o inter-rail.
Elias não queria ser escritor, escritores há muitos e a maioria passa fome, porque a vaidade não substitui um preguinho submerso em mostarda e alho, que é hálito libidinoso, para quem aprecia o género.
Elias gostava de comer e nunca lhe passou pela cabeça ter de andar a paposeco untado com planta para ser escritor. Já tinha escrito nacos de prosa mal passada e poesia em guardanapos, mas eram coisas fúteis e sem sentido obrigatório.
Elias podia até ser um Alfred Jarry de cervejaria se tivesse a disciplina, a força de vontade ou a quarta classe completa, mas o que o movia não era a imortalidade na badana dedilhada por um professor de românicas ou a aclamação universal do seu génio.
Elias não desejava a imortalidade, nem sequer ser abençoado por esse raro e trabalhoso dom do génio que normalmente conduz à egolatria, ao alcoolismo, ao sanatório ou ao suicídio.
Elias era um hedonista de ambições mundanas e toda a sua ambição literária se limitava ao sexo. Esse era o seu leitmotiv, a sua divisa, a sua luta. Sexo. Desde que lera “Amor em tempos de cólera”, Elias ficara obcecado com a personagem de Florentino Ariza, que escrevia cartas de amor a soldo e com isso se tornara um Casanova melancólico.
Elias queria ser uma espécie de Florentino Ariza da internet, um predador romântico, cujo domínio do poder sexual das palavras lhe permitisse seduzir mulheres sensíveis as palavras impregnadas daquele cheirinho contagiante a feromonas – “Adoro o cheiro a napalm pela manhã”, costumava recitar de cor do Apocallipse Now sempre que tinha a rara oportunidade de não desperdiçar a tusa de mijo.
Foi pelo sexo e pela fixação nas bocetinhas de Pandora, nas pererecas, nas passarinhas, nas pachachinhas, no grelo, nas coninhas, nas cricas, nas xoxotinhas, nas snisgas, nas snaitas, nas ratinhas, nos pipis, nas patarecas, nos pãezinhos de Mafra, no mexilhão ginasta; foi por elas todas, pelos pitinhos unidos do mundo que o insaciável Elias se inscreveu naquele curso de escrita criativa na sede dos bombeiros de Marvila, ministrado por uma obesa autora de romances ligeiros de cores rosáceas como as ninfetas repolhudas de Rubens.
O Verão aproximava-se e Elias continuava entregue aos prazeres da sua única companheira sexual, a espanhola Palmita de la Mano, e pretendia abrir a época balnear com aventuras sexuais que se prolongassem pelo estio do permanente cio.
Sonhava já com amantes perfeitas, com pensões na Baixa de lençóis a cheirar a detergente e corpos a suar nas tardes de calor, seguidas de caracóis, imperiais e relatos de proezas sexuais nas tardes de “vitellonis”, inúteis fellinianos e desempregados, da cervejaria do Zé Alves.
Um curso de escrita literária parecia-lhe a opção perfeita para desenvolver os seus dotes de escrita sensual e quem sabe, conhecer por lá uma balzaquiana mal fodida, dada às artes e aos romances baratos. Era essa a sua esperança. Foi por isso que fez todos aqueles cursos: sapateado; esperanto básico; tricot e ponto cruz; oboé para orquestra; massagens reiki o parta; cerâmica com especialização em potes; albanês para iniciados; história kosovar; danças do Magreb; cozinha saudável e mais sei lá o quê.
– É aí que se conhece o pito inquieto – garantira-lhe Zé Alves, mestre em cerveja, tremoço e espécie de Confúcio-tangueador-mor da cervejaria homónima.
Apesar do seu vasto currículo de cursos, o máximo que Elias conseguira foi ir a um ciclo de cinema albanês na cinemateca com uma pedicure frígida de Algés, que no sacrossanto momento de fazer o animal de duas costas, se pôs a recitar Ismail Kadaré e a entornar frasquinhos de verniz no peito felpudo de Elias.
Desta vez não havia que enganar, Elias ia ter um Verão à tripa forra a partir do momento em que dominasse as secretas palavras do sexo, um ritual secreto maçónico que abrisse as cricas como Houdini abria as grilhetas e se escapava dos tanques, que as despojasse dos aventais maçónicos para a sodomia hermenêutica.
Foi com essa esperança que aguentou a primeira aula no calor tórrido do salão dos bombeiros de Marvila e desembolsou 50 euros para obsequiar os truques literários que lhe iriam valer boas horas de fornicação de verão.
Sonhava já com maratonas de sexo, cambalhotas, fornicação, fodanga, enrolo, trepada, transa, aparafuso, bombadas, stikadas, dar ao laço, quecas, pirafos… Sonhava com um Reino Prometido da Voluptuosidade e da Fodanga quando foi desperto pela monitora, que com uma voz excessivamente colocada e afectada, desafiou a turma para um primeiro exercício literatucho:
– Vamos agora traduzir os nossos ensinamentos num exercício a que chamo natureza morta, como aqueles quadros que há em casa dos nossos avós com pinturas de bandejas de fruta e faisões. O objectivo é fazer um conto de verão em que a personagem principal seja uma melancia…
Elias, estarrecido e furioso levantou-se e disse:
-Vim cá para aprender a escrever sobre sexo, quero é que a melancia, o faisão e a natureza morta e a senhora sua avó se fodam.
Antes de regressar a casa para os braços da sua compreensiva e dedicada amante Palmita de La Mano, Elias ainda teve tempo de passar pela cervejaria e dar dois merecidos murros nos cornos de Zé Alves.
– Tu e as tuas ideias tristes, está visto que para escrever e para foder o melhor é ir às putas!