O espetáculo, uma produção do Coletivo 84, parte da intemporal história para abordar temáticas como a “importância da presença ou ausência do corpo na contemporaneidade”, associada ao “conceito de velocidade que marca os tempos que vivemos”. Toda a ação da peça decorre “muito rapidamente”, como sublinha o encenador ao JL: “Há desde o início vontade de transgredir e desafiar a normalidade”, observa. “A transgressão é mesmo algo que já transportamos dentro de nós, já está em potência nos nossos corpos, ideias e desejos”. Nesse sentido, quando Romeu decide ir à festa dos Capuleto, desencadeia uma veloz avalanche de acontecimentos, que o encontro com Julieta vai precipitar a uma velocidade “alucinante”. “É a inevitabilidade”, diz ainda. “Há um desejo de ser ferido, uma premonição permanente, mas não trágica, porque a morte é vista como local de encontro, sem capas, nomes, nomenclaturas, de igual para igual, o encontro do amor puro”. Para acentuar essa “velocidade vertiginosa”, JR eliminou, na sua dramaturgia, as personagens que representam o poder, a autoridade, como os pais. “Há um centrar nos corpos mais jovens”, explica. “Isso faz com que a ação seja ainda mais veloz em direção à morte”.
John Romão criou, de resto, um “dispositivo cénico”, em que “no plano visível, os atores estão parados, mas do ponto de vista da representação há uma figuração da velocidade extrema”. Uma ideia inspirada no pensamento de Paul Virilio, urbanista e arquiteto francês, que preconizava que com a “ânsia pela velocidade, sobretudo pela relação com a tecnologia e com os meios de comunicação, com os nossos corpos cada vez mais rápidos, um dia a extrema velocidade iria confundir-se com a inércia”. De alguma maneira, faz notar JR, já vivemos esse tempo: “Os nossos corpos já têm hoje a velocidade da luz, na medida em que estamos sempre ligados a aparelhos elétricos, conectados à internet”. Esse é também um “questionamento” que lhe interessa fazer com a “ilusória imobilidade dos corpos em cena”. Corpos que não se tocam. “O que me importa é também perceber qual a ressonância deste texto hoje, com esta versão cénica que pode até ser um pouco chocante, sem romantismo visual, mas a fazer lembrar como nós já não nos relacionamos fisicamente com muita gente, estamos cada vez mais fechados nas nossas casas, nos nossos hábitos, nas nossas redes sociais”, sublinha JR.
Romeu e Julieta no D. Maria II
É uma das histórias de amor míticas da cultura ocidental: Romeu e Julieta, de William Shakespeare, está em cena até 1 de março, na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII), com encenação, dramaturgia e cenografia de John Romão (JR), o diretor da Bienal de Arte Contemporânea de Lisboa, BOCA.
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