O segundo JL, de 17 a 30 de março de 1981, capa de João Abel Manta com o nº (2), como o primeiro, abria também com uma coluna encimada pelas duas letras maiúsculas do logotipo. Nela se dava notícia do êxito do nº 1 e que, esgotados os seus 30 mil exemplares em pouco mais de 48 horas, seria feita um reimpressão de mais 10 mil. Dizendo-se qualquer coisa mais sobre os nossos propósitos, admitia-se que o JL aparecera com certa “maturidade”, havendo no entanto ainda “bastante que fazer e afinar mesmo (ou sobretudo) jornalisticamente”. Mormente, coisa que sempre preocupou quem o criou, dirige e escreve esta nota, conseguir que os textos “sejam mais claros e se possível mesmo atraentes”.
Ao lado dessa coluna começava uma espécie de tema da edição: Miguel Torga. “O último bicho de S. Martinho”, era a primeira peça, reportagem/perfil do jornalista Rogério Rodrigues, um transmontano da redação de O Jornal (que aqui evocamos quando da sua morte, em outubro passado). Depois, artigos de Vasco Graça Moura e Carlos Reis sobre o escritor, de que publicavamos – coisa rara ele ‘conceder’… – um poema inédito.
A seguir, um texto sobre “Bela Bartók e as intelectualidades dominantes”, de que se iria assinalar o centenário. Autor, claro, o incomparável musicólogo e ‘divulgador’ João de Freitas Branco, já colaborador do nº 1. Que ainda dava a lume um inédito do consagrado compositor e maestro Luís de Freitas Branco (LFB, seu tio), “Bartók no espelho das palavras”, e excerto de um diário inédito do mesmo LFB, sobre um seu jantar com o famoso músico húngaro.
Três páginas e meia à frente, como um simples pequeno ensaio acrescentado da antecipação de fragmentos de uma obra a sair, uma matéria de cuja enorme importância então não me terei apercebido. O quê? Um texto do respeitado prof. Jacinto do Prado Coelho – pai do Eduardo, um dos três “coordenadores” a que já me referi -, intitulado “Fernando Pessoa ou a estratégia da razão” (“é sempre arriscado caminhar sobre nuvens, de braço dado com um poeta”). E, por baixo dele, “Excertos inéditos do Livro do Desassossego composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa”… Na nota introdutória revelava-se que “o Livro do Desassossego são perto de 500 páginas a publicar brevemente, em dois volumes, pela Ática”. E dava-se mais informação, incluindo a de quem eram os responsáveis pela edição. Os volumes, porém, só sairiam em 1982, tendo na capa os seus nomes: “Recolha e transcrição dos textos: Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e organização: Jacinto do Prado Coelho”.
Nas três pp. e meia entre Bartók e Pessoa/Soares, nada mais nada menos do que as crónicas de Augusto Abelaira e, em ‘estreia’, de Nuno Júdice e Miguel Esteves Cardoso. Este um jovem de 25 anos que vivera em Inglaterra, aí se licenciara em Ciência Política e começara a escrever sobre música anglo-saxónica no semanário Sete, igualmente do grupo de O Jornal, propriedade dos próprios jornalistas, e de que o redator destas linhas era também o diretor editorial. Chama-se a crónica, naturalmente tributária daquela experiência, “Manual de sobrevivência para se poder ser português em Inglaterra”. Antes dela, num desejado ‘balanço’ entre os já com uma obra reconhecida, e os mais novos, um artigo sobre “os mitos portugueses”, de António José Saraiva, o autor da História da Cultura em Portugal e coautor, com Óscar Lopes, da mais importante História da Literatura Portuguesa.
E ainda vamos na p. 14, preenchida, como grande parte da 15, com o ensaio de João Palma Ferreira “Uma autobiografia inédita do século XVII” (de Antónia Margaridade Castelo Branco). A fechar a 15, mais uma colunista de “truz”: Maria Velho da Costa com o seu “Mapa cor-de-rosa”. À frente, duas colunas já iniciadas no nº 1: a brasileira “Zona Tórrida”, de Irineu Garcia, sobre Darcy Ribeiro, e, na última página, a 32, o “Escrituralismo” de José Sesinando, com “O Quantinho do Leitor”…
Nessa altura as páginas ainda não tinham “cabeças”, designadamente com a divisão “letras, artes e ideias”. Havia uma parte, digamos, mais ensaística, com crónicas pelo meios, e a seguir vinham reportagens, não longas, notícias, não muito curtas, e comentários sobre diversificados assuntos. Assim, por exemplo, José Duarte escreve sobre Stan ‘Jazz’ Getz, José Vaz Pereira sobre televisão, Nelson Di Magio sobre João Vieira; e escrevem, jornalistas, o Manuel António Pina (como no nº 1), e dois da casa, redatores de O Jornal: o já conhecido Fernando Dacosta sobre o Ballet Gulbenkian, e, mais novo, o Francisco Vale, futuro editor e proprietário da Relógio d’Água – a reportagem “Charneca, Galinheiras, Fetais: os arredores da cultura”.
A fechar, até à p. 31, a zona da “Crítica” – essa como tal “identificada” -, oito páginas do jornal (que então eram maiores, mais 6 cm. de altura e 0,5 de largura), começando, uma inteira, com uma recensão ensaística de José Manuel Sobral a Guerreiros e Camponeses, de George Duby – e a seguir a estreia de “O guarda-livros”, com curtas recensões de 15 livros e duas revistas, numa secção relevante que se manterá e a que voltarei noutra oportunidade. Sobre livros, críticas ainda de João Rui de Sousa (poesia), Miguel Serras Pereira (ensaio) e Serras Gago (política). Enquanto, só os nomes, que mais não cabe, escreviam: sobre artes plásticas, Rui Mário Gonçalves e Silvia Chicó; sobre teatro, Maria João Brilhante; sobre cinema, João Mário Grilo, Guilherme Ismael e Mário Jorge Torres. Mas não só: também uma página inteira com o antropólogo e psicanalista José Gabriel Pereira Basto a analisar o filme O meu tio da América, de Alain Resnai.
Tudo, até ao Pessoa/Bernardo Soares do Livro do Desassossego, ilustrado por João Abel Manta. Tudo justificando, creio, que tendo aqui dito que com o nº 1 o JL “começou muito bem”, possa dizer agora que com o nº 2 não lhe ficou atrás…