O que se passa na intimidade da nossa casa, longe dos olhares de terceiros é, muitas vezes, mais revelador que a personagem que encarnamos (para nos proteger) quando saímos para ir trabalhar. No evento “A Igualdade Começa em Casa”, que decorreu hoje na loja IKEA de Alfragide, especialistas e celebridades relfetiram sobre a dimensão familiar da divisão de tarefas e as implicações que esta tem na vida de cada membro da família. Uma conversa onde se analisou e discutiu um inquérito sobre a distribuição das tarefas domésticas e familiares, um projeto da VISÃO em parceria com o Ikea, realizado pela GfK Metris.
O estado da paridade dentro de casa
A manhã de conversas, reflexão e também de duelo arrancou com Mafalda Anjos, diretora da VISÃO e Helen Duphorn, country manager da Ikea Portugal, onde se discutiu a experiência pessoal de Helen e as diferenças que encontrou nesta materia nos vários países da Europa e da Ásia onde trabalhou, o envolvimento da marca com os temas da paridade e porque é importante começar por casa – com pequenos grandes exemplos para as crianças – a mudar esta situação.
A professora do ISCSP Paula Campos Pinto, o psicólogo Eduardo Sá e a Presidente da Comissão de Cidadania e Igualdade de Género Teresa Fragoso foram o grupo de especialistas escolhidos para o primeiro debate. Interpelada por Mafalda Anjos, diretora da revista VISÃO, a professora Paula Campos Pinto revelou que o facto de 68% das mulheres, participantes no estudo, ter afirmado que a divisão de tarefas familiares é equilibrada, não foi uma surpresa. “Pode haver muitas explicações. Por um lado, uma falta de consciência, que só é despertada com a análise individualizada de cada uma das atividades, por outro, uma vontade em pintar uma realidade que não é realmente a sua”. A resposta das inquiridas revela um mecanismo para encontrar o equilíbrio entre a imagem de mulher moderna, profissional, com um papel mais tradicional, que muitas ainda se vêm obrigadas a ocupar em casa. Segundo a professora, é precisamente esta perceção que dá origem à ideia que o homem tem apenas de ajudar em casa, fazendo um favor à mulher.
Teresa Fragoso alertou, então, para o verso da medalha. A especialista explicou que vivemos numa sociedade que valoriza muito pouco os afetos e a sensibilidade, associando-os raramente ao sexo masculino. “Os homens são, muitas vezes, penalizados quando, por exemplo, no trabalho, querem exercer os seus direitos de parentalidade ou simplesmente exprimir sentimentos e afetos”. À questão levantada por Teresa Fragoso, Paula Campos Pinto acrescenta a questão educacional que, frequentemente, conduz os rapazes a um estilo de vida mais próximo da violência e de situações extremas que, segundo a professora, podem inclusive levar a mais acidentes mortais e tentativas de suicídio, que a vida das raparigas.
Para Eduardo Sá, esta diferença entre homens e mulheres não se resume à educação. “Homens e mulheres não são iguais, ponto final. Temos o privilégio de poder dizer sim somos diferentes, sim fazemos escolhas diferentes e lutamos juntos para uma paridade”. O psicólogo alertou também para o perigo que uma clivagem demasiado profunda e uma contabilização, quase matemática, das tarefas de cada um, pode representar na vida familiar. “Nunca estamos preparados para casar. Acabamos por casar, uma vez oficialmente, e na prática vamo-nos casando todos os dias”. Após frisar a importância de namorar no casamento, explicou que “queiramos ou não, a chegada de uma criança introduz uma alteração na paridade caseira. Quando chega a altura de tomar conta da criança é natural que a mãe se chegue à frente, que queira estar presente”.
O psicólogo frisou ainda a importância de não cair em sexismos, limitando os homens sempre ao papel de vilões. “Nós centramo-nos muito na educação dos homens, mas quantas mulheres não tratatm os maridos como um filho mais velho?”. Paula Campos Pinto concordou com o psicólogo neste ponto, sublinhando a insistência de algumas mulheres em perpetuar o papel de super-mãe, afastando, constantemente, os homens das tarefas relacionadas com os filhos.
Os três especialistas terminaram a conversa com uma reflexão sobre as poucas tarefas domésticas que as crianças portuguesas desempenham em casa. Sob a desculpa dos deveres escolares, muitas crianças não são educadas para ter um papel ativo na divisão das tarefas familiares. “Chamamos constantemente a atenção para o fenómeno da paridade, mas o problema não é o Mundo, muitas vezes somos nós”, rematou Eduardo Sá.
Quem faz mais em casa? Quatro perspectivas
Pegando nas palavras de Eduardo Sá, a escritora Isabel Stilwell abriu as hostes do segundo painel de convidados, do qual faziam também parte a blogger Rita Ferro Alvim, o chef Kiko e a responsável pela comunicação da IKEA em Portugal, Cláudia Domingues.
“Como disse o Eduardo há alguma hipocrisia. Ficamos chocados quando vemos mulheres deixarem os filhos sete ou oito horas numa creche, mas quando há uma mulher que escolhe ficar em casa com eles, tendemos a julgar. Dizemos até que uma é a que trabalha e a outra a que não trabalha”, afirmou a escritora, que considera o fator escolha essencial. “A paridade está na repartição das tarefas, de acordo com o que cada um mais gosta de fazer”.
É também a opinião de Rita Ferro Alvim que, além de ter escolhido trabalhar em casa, divide com o marido tarefas diárias, como pôr e tirar a loiça da máquina, de acordo com a preferência de cada um. A blogger partilhou também a dificuldade que teve em lutar contra si mesma e os preconceitos de trabalhar em casa, quando decidiu mudar de vida. “Estava com a cabeça tão feita e convencida que ia passar a vida a tratar da casa que nem me apercebi que realmente gostava de o fazer, gostava de estar lá para os meus filhos, acompanhá-los”.
Acompanhar não só as crianças, mas também os adultos, facilitar-lhes a vida e transformar casas em lares é a missão da IKEA. Cláudia Domingues explicou que uma cozinha desenhada para ser funcional é uma cozinha onde todos têm mais vontade de entrar e dividir tarefas. “Acabam-se as tradicionais desculpas!”, rematou. Já o Chef Kiko partilhou uma experiência de vida onde o pai nunca entrou na cozinha. O mais novo de oito irmãos encontrou neste espaço um território onde se pôde afirmar e conquistar o palato e os sorrisos de toda a família. Atualmente, e pela grande carga horária que exige o trabalho de um chef, Kiko passa pouco tempo em casa. “Nunca pus uma máquina a lavar sozinho, ligo sempre à minha mulher”. Ainda assim, o chef partilhou que considera o lar uma estrutura que transcende os metros quadrados, que deve ser construída também fora de casa, através de tempo, preocupação e vontade.
Tanto o chef Kiko, como Isabel Stilwell concordaram com a necessidade de um acordo tácito entre marido e mulher, prova de um amor que se quer entrega e não contabilidade.
No final das conversas dos dois painéis, dominados maioritariamente, por mulheres, as ideias que ressoavam na sala apontavam para a necessidade em educar a próxima geração através do exemplo de mulheres e de homens que não tenham medos de serem humanos, antes de serem super heróis.
O evento terminou com umas boas gargalhadas, com os humoristas Joana Marques e Daniel Leitão. Ora confira.