Apesar da manhã cinzenta que convidava à preguiça típica dos domingos, e já perto da hora de almoço, quem assistiu a este “confronto” não saiu desiludido, muito pelo contrário. Houve lugar para ir ao fundo daquilo que faz mexer a sociedade, seja na interface das redes sociais, com quem somos distantes ou próximos, no país, na nossa rua ou em qualquer outro lugar.
Usar a criatividade como arma pode ser transformador. Estas duas mulheres fazem-no de formas distintas, na forma de criar e nos veículos de expressão.
“Sempre fui mais Mafalda do que Susaninha, dada a aprofundar o espirito crítico e a ser consciente dos direitos humanos e no rap não podia ser diferente”. Otimista militante, Capicua dá às suas canções e crónicas (na revista VISÃO) um twist colorido, que é a forma de “reconciliar-se com os problemas da vida e tornar isto menos assustador”. Mas é. A rapper continua a não compreender a realidade triste da violência doméstica, as diferenças salariais entre homens e mulheres ou a normalidade da assimetria de género na distribuição de tarefas e do tempo livre. “Se vou a um SPA ao final do dia, 90% dos frequentadores são homens, já que elas estão ocupadas em tarefas da casa e da familia, após terem trabalhado nove horas”. Se a isto se juntar a tendência cultural para alimentar inseguranças e reduzir a autoestima no feminino, do ter de estar bonita, bem, vestida, etc, não se estranha que muitas mulheres se autoexcluam dos cargos de poder. Ou que o façam por se não identificarem com quem as representa.
Mais dada à “economia expressiva”, Wasted Rita usa o sarcasmo para chegar às pessoas, mostrando isso mesmo nas ilustrações e nas exposições, sem querer saber do politicamente correto. As frases e comentários rascunhados com humor, sobre temas dos quais a tentação do comum mortal é fugir, como a angústia da morte, a tristeza e os estados depressivos parecem cativar quem neles se revê e, até, trazer um certo alívio. “É melhor fazer piadas sobre isso, tornar esses estados conscientes.” Rita parece fazê-lo sem sombra de “desperdício” (como sugere o nome de guerra “wasted”) e reconhece que a sua notoriedade chegou pela mão de homens (destaque para os artistas Bansky e Vhils, embora Madonna tenha recentemente descoberto as suas narrativas gráficas). Porém, a sua marca distintiva já existia antes disso. “Sempre senti necessidade de lutar pelos meus direitos antes de estar numa indústria masculina e entendo que é preciso termos mais representatividade”, afirmou, quando, a dada altura, Mafalda Anjos indagava acerca da pertinência das quotas como um instrumento, entre outros, para mudar mentalidades.
Como é, para estas duas figuras públicas, exercer a cidadania consciente e trazer valor sem ficarem reféns das redes sociais ou à margem delas? A tentação de fechar as páginas públicas é grande, a de ficar “na bolha” também. O meio termo pode passar por envolver-se numa procura ativa e seletiva, sem crer que o mundo se resume ao Instagram ou ao Facebook, ou às vicissitudes do algoritmo.
Capicua admite que não é ativa no Twitter, embora se deleite a mergulhar “nessa ilha à parte em que vale tudo e até as pessoas politicamente corretas perdem a vergonha na cara”. Rita confessa que tem o vício de andar agarrada ao telemóvel “mais por defesa social do que outra coisa” e consulta os sites que lhe interessam para manter-se informada, sem esquecer a rede de amigos próximos.
Já no final, as “nossas” mulheres guerreiras manifestaram algumas intenções para daqui a 25 anos (e não vamos dizer quem disse o quê). Estar viva. Ver o mundo corporativo apostar em politicas sustentáveis que o permitam. O uso da palhinha ser tão descabido como uma disquete para uma criança. Trabalhar menos. Ter mais tempo para criar em detrimento daquele que é gasto na exposição esgotante desse trabalho nas plataformas digitais. E, claro, mais mulheres no topo sem medo de fazer coisas acontecer.
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