A meia dúzia de habitantes da Aldeia de Casal de São Simão, no concelho de Figueiró dos Vinhos, não deve lembrar-se de tanto movimento nestas ruas, logo pela manhã. O parque de estacionamento do restaurante Varanda do Casal é manifestamente pequeno para o rol de carros oficiais e os motoristas vêem-se gregos para arranjar lugar para parar. Mas a ocasião justifica as presenças ilustres: vai assinar-se o contrato para a implementação de uma escadaria em madeira, com cerca de um quilómetro, de acesso à praia fluvial, ao estilo Passadiços do Paiva.
O investimento é de 400 mil euros e o Turismo de Portugal comparticipará com quase tudo, em nome da requalificação da zona centro, na era pós-incêndios, e ao abrigo do programa Valorizar. Quem pega na caneta é Carlos Abade, presidente da Turismo Fundos, e o autarca Jorge Abreu. Perto está a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho. “Conhecem esta zona? É lindíssima.” De facto, a manhã está gélida, mas o azul imaculado do céu traz ainda mais beleza a este pedaço de Portugal fustigado pelas chamas. À volta da aldeia, o cenário já não é tão desolador. Aos poucos, o verde desponta e a cinza que há nove meses cobria o que resta da floresta com um cromado monótono começa a esmorecer.
Daqui a um ano, o miradouro que agora nos permite vislumbrar a paisagem já terá sofrido uma enorme intervenção. E o passadiço que permitirá ir até lá abaixo onde corre a água cheia de força também já será visível. “Neste momento, não há ligação entre o miradouro, a aldeia e a ribeira de Alge e este percurso pedonal vai permitir criar uma unidade entre eles”, explica Gonçalo Brás, chefe de gabinete do presidente da Câmara.
A secretária de Estado fala do Turismo como um instrumento de dinamização de todo o território, capaz de “pôr o interior no centro de Portugal”. Há 124 projetos apresentados ao programa Valorizar e são todos para dar vida à zona. Destes, 40 já estão aprovados. Ana Mendes Godinho, em dois dias, há de espreitar quase uma dúzia deles. Afinal, estamos a falar de 10 milhões de euros investidos e, só por isso, vale a maratona, de Casal de São Simão a Mangualde.
A região Centro foi a que mais cresceu no ano passado, em termos turísticos. Em janeiro, a tendência mantém-se, com números na ordem dos 16 por cento, acima da média nacional. Mas nem tudo é motivo para sorrir, por isso há que criar produtos para que as pessoas permaneçam mais tempo no território.
SEM LUZ DESDE OS INCÊNDIOS
Próxima paragem: Góis. Depois de passarmos a ponte do século XVI, construída por cima do rio Ceira, os carros estacionam à porta do lindíssimo edifício da Câmara, também ele de interesse histórico. No salão nobre assina-se mais um contrato com várias valências: restabelecimento da aldeia do Loural, recuperação da Casa Museu Alice Sande, reabilitação do espaço público e disponibilização de redes wifi.
Enquanto os discurso se fazem, fugimos para espreitar a aldeia, toda recuperada para turismo em espaço rural. Loural dista a mais de meia hora de caminho sinuoso do centro da vila e fica num lugar tão remoto que as comunicações móveis são inexistentes. Um casal luso-holandês comprou os 34 hectares vendidos pela família que antes detinha este pedaço de terra encantado e transformou-os numa espécie de retiro. Em redor ardeu a floresta toda, as casas que ainda não estavam recuperadas também sofreram com as chamas, mas as outras estão impecáveis. No entanto, desde junho que não aceitam reservas. “Não podemos vender isto como turismo de natureza, quando à nossa volta está tudo queimado”, lamenta Maria Ana, 56 anos, gestora destas cinco casas turísticas, a viver aqui completamente sozinha. Ainda nem sequer há iluminação pública – é esse um dos trabalhos a concretizar com o contrato que se acabou de assinar. Os percursos pedestres também serão reabilitados, garante Fátima Gonçalves, técnica da Câmara Municipal de Góis.
No regresso à vila, Hélder Barata, profundo conhecedor da região, lamenta que o único verde que se vislumbre seja dos eucaliptos. E aponta para os socalcos onde eles foram plantados, assim que as chamas sossegaram.
VENDER A HISTÓRIA
Em Tábua, os incentivos são para melhorar os acessos à praia fluvial da Rouqueira e criar um sistema de wifi gratuito para o público. E já lá andam as máquinas, enquanto as margens do rio não se enchem de gente a apanhar sol.
Mas o ponto alto desta paragem dá-se no hotel de Tábua, fechado há três anos. Aqui, num edifício meio abandonado, com 74 quartos, e decoração completamente datada, louva-se a iniciativa privada. O grupo Luna vai reabilitar este edifício e aumentar grandemente a oferta de alojamento na região.
Seguindo estrada fora, a comitiva oficial parte para Mortágua e é recebida – à porta do Centro de Interpretação das Invasões Francesas, Mortágua na Batalha do Bussaco (assim mesmo, com grafia antiga) – por um soldado de infantaria, vestido à época. “Temos de transformar a História num produto vendável. São estes nichos que dão valor ao território”, afirma Ana Mendes Godinho.
O pôr do sol há de ser apreciado a partir das enormes janelas de um salão que fica no primeiro piso da Sociedade Agrícola Boas Quintas, a poucos minutos de carro do centro de Mortágua, e com um copo de vinho branco encruzado, colheita de 2017, na mão. No entretanto, assina-se mais um contrato, no valor de 117 mil euros, para reforço do enoturismo. Nuno Cancela de Abreu, um dos mais conceituados enólogos portugueses, e à frente desta marca centenária, explica o que pretende: “Preciso de mostrar o nosso vinho e só o consigo fazer através do contacto direto com o cliente, chamando-o aqui, para acompanhar o ciclo dos nossos trabalhos.” Até agora, as suas vendas estão centradas no estrangeiro, com exportações na casa dos 80 por cento da produção.
“Ficamos muito satisfeitos por verificar que a iniciativa privada continua a acreditar na região, apesar dos incêndios”, nota a secretária de Estado, numa conversa lateral com a VISÃO. Os números de 2017 estão fechados e, globalmente, não houve quebras turísticas no Centro de Portugal. A duplicação de verbas disponibilizadas para o território vai permitir que assim continue a ser. É o que se espera para 2018.