Vital Pereira dá toques na colmeia antes de lhe mexer. “Quando as abelhas sentem a ameaça, ingerem o mel e ficam com o abdómen cheio. E assim não conseguem picar com tanta facilidade”, explica. Truque de quem anda nisto da apicultura e que, volta não volta, não se safa de umas boas ferroadas. “Dedos, orelhas e nariz é onde custa mais”, diz, em jeito de consolo ao nosso repórter de imagem que se estreou com uma picadela junto do olho. “O segredo é puxar o ferrão com a ponta da unha e não espremer. Caso contrário, espalha ainda mais o veneno”. Lição aprendida – e um pouco de Fenistil também há de ajudar.
Antes do incêndio de 15 de outubro, Vital e Paula, 49 e 42 anos, respetivamente, somavam 600 colmeias divididas por 14 apiários espalhados por vários terrenos à volta de Tondela. Negócio próspero que começaram a construir quando eram ainda namorados e que o fogo quase levou por inteiro. “Sobraram 200 colmeias”, contam-nos à beira da sua casa em Chancela, na freguesia de Dardavaz, que escapou miraculosamente ao fogo. De resto, ardeu tudo à volta. E quando dizemos tudo foi o barracão onde Vital guardava o material necessário à apicultura, os bidons para armazenar o mel, as oliveiras, a lenha toda para o inverno, a motosserra. “Nem queria acreditar quando aqui cheguei no dia seguinte”, conta Paula. Aos apiários só tiveram coragem de ir três dias depois daquele maldito domingo.
Açúcar, flor de eucalipto e saramagos
Sem alimento para as abelhas e com tanta terra queimada à volta, restou a Vital e Paula mudarem de lugar algumas das colmeias que se salvaram e alimentarem artificialmente os insetos. “O açúcar não é o ideal, mas ajuda”, explica o apicultor que recebeu entretanto 70 quilos, fruto do contributo de anónimos para a campanha Ajudada às Abelhas, a correr no Facebook. Quem optou por dar dinheiro, permitiu que se comprasse também Hybee, um alimento específico fabricado pela Hifarmax, com sede em São Domingos de Rana, que decidiu apoiar a iniciativa. “Isto é para a subsistência da colmeia, porque se nós não alimentarmos as abelhas, a abelha-mestra não vai fazer postura.”
No encalce da carrinha do casal, percorremos os cerca de 14 quilómetros que distam entre Chancela e Campo de Besteiros, a norte de Tondela, onde o fogo não chegou e onde está boa parte das colmeias que se salvaram. Por esta altura já se deu a floração do eucalipto, e o que é demónio para muita gente tem sido a salvação de Vital e Paula. Isso e os saramagos, flores que brotam com a humidade das noites de inverno, e ainda as hortas nos quintais, onde também o nabo e as couves já têm flor. Será assim até final de fevereiro, meados de março. Depois, e tendo fé que a natureza consiga fazer o seu trabalho, haverá urze, salgueiro, tília e tojo, e árvores de fruto em flor.
Entre Chancela, onde Vital e Paula vivem, e Campo de Besteiros, onde estão os apiários, distam 14 quilómetros e muita esperança
Mel do Dão
A cresta feita em julho rendeu ao casal nove toneladas de mel: cinco foram vendidas a uma empresa, as restantes foram enfrascadas para chegarem às prateleiras das lojas com o rótulo Mel do Dão. Vital e Paula nunca pensaram em desistir. “Não é apicultor aquele que quer, é aquele que gosta. O trabalho é árduo, levamos dezenas de picadelas, mas este é um bicho que se entranha e não há volta a dar”, afirmam. E se conseguirem as ajudas necessárias, acreditam, em dois outros anos, recuperar o investimento de uma vida.
“Depois da tragédia, as abelhas ficaram esquecidas no terreno”, afirma Vital Pereira. “A primeira ajuda veio de pessoas anónimas”
Vital e Paula Pereira, 49 e 42 anos
Chancela, Dardavaz
Ficou sem colmeias, o barracão e tudo o que lá guardava
Precisa de cera para as colmeias, colmeias e abelhas-rainha
A flor do eucalipto é o que vai dando alimento às abelhas
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