Após várias semanas no conforto seguro do lar, nesse pequeno mundo livre do medo do contágio da Covid-19, muitos são os profissionais que ainda se mantêm em teletrabalho mas que em breve vão entrar em contagem decrescente para o seu regresso às empresas. Um local que será agora bem diferente, feito de novas regras e procedimentos.
Neste momento, empresas de todo o mundo preparam ao pormenor o regresso sabendo que acima de tudo têm de salvaguardar a saúde dos seus trabalhadores e parceiros de atividade. Em cima da mesa estão questões como a densidade, ou seja, o número de pessoas a trabalhar num espaço fechado, o espaçamento entre secretárias, as novas normas implícitas no uso das casas de banho e refeitórios e uma infinidade de outros pormenores. Por um lado analisam os rácios de produtividade com o teletrabalho durante a pandemia e de que forma pode esta ser incorporada de forma regular no funcionamento da organização. Por outro lado, as empresas percebem a necessidade de manter a proximidade física e presencial entre as pessoas, garantias de fluidez na comunicação e estímulo criativo.
“As empresas não voltarão ao que conhecíamos antes da pandemia, mas usarão essa crise para se reinventarem para serem mais resilientes, adaptando os seus modelos operacionais ao ‘novo normal’. Existem quatro estágios para as empresas fazerem a transição: preparar, responder, reentrar e reimaginar. E a reentrada vai concentrar-se na força de trabalho, na proteção de pessoas e ativos, além de adaptações no estilo de trabalho”, destaca-se no mais recente relatório da JLL e que serviu de mote ao webinar realizado pela consultora com o tema “Building a new future”, com as presenças do CEO da JLL a nível mundial, Christian Ulbrich, o CEO da JLL Portugal, Pedro Lancastre e o economista Carlos Moedas.
E neste novo futuro, duas tendências irão destacar-se – a salvaguarda da saúde das pessoas e a revolução tecnológica como alicerces da recuperação da economia e com impacto direto no mercado imobiliário.
Os intervenientes lembraram, desde logo, a aceleração da inovação tecnológica a vários níveis onde foram ‘repescadas’ ferramentas já existentes e entretanto aprimoradas. “Antes da pandemia, poucos apostavam na educação online ou na telemedicina e agora são essenciais à nossa vida. E quem acreditaria que o mundo inteiro conseguiria trabalhar tanto a partir de casa? “, enfatiza o ex-comissário europeu, Carlos Moedas, realçando a importância do digital como a melhor forma de esbater fronteiras geográficas.
Mas poderão os bons resultados na produtividade do teletrabalho determinar o fim das empresas como as conhecemos? “É um facto que a pandemia veio provar que é possível ter produtividade mas a verdade é que o teletrabalho funciona em contextos muito específicos. As empresas também sabem quão importante é a questão da interação social para a promoção da criatividade. Um estudo recente da JLL mostrava que cerca de 5% das pessoas preferia trabalhar só em casa, 35% apontava que só trabalha bem na empresa e cerca de 60% gostaria de ter um regime misto. Provavelmente será este o caminho”, lembra Christian Ulbrich, CEO da consultora JLL.
Seja qual for a solução, “a tomada de decisões corporativas dependerá também da política e medidas estabelecidas a nível de país e a nível municipal”, refere-se no relatório da JLL. “Retornar ao trabalho significa alcançar uma solução ótima, onde a confiança das pessoas em seus empregadores, colegas e governo / Estado está dentro das expectativas”, acrescenta-se ainda. A recessão económica é também um fator a ter em conta nesta gestão de decisões. Ainda assim, e apesar do cenário de grande incerteza que se avizinha, o economista Carlos Moedas acredita que esta crise não terá o mesmo impacto das anteriores. “Não sabemos como será o futuro e a única coisa que é certa neste momento é que daqui a 200 anos as pessoas ainda falarão deste momento que vivemos agora. Mas, e apesar de tudo, esta crise não é comparável à de 2008 ou a qualquer outra. Nas anteriores não houve capacidade rápida de reação ao contrário do que está a acontecer agora”, salientou Carlos Moedas, lembrando que na crise de 2008 o apoio do Banco Central Europeu levou quatro anos a chegar às economias europeias em apuros.
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Estratégias no retalho
E o que já está a acontecer em alguns sectores? Para os retalhistas, o foco principal a curto prazo assenta na manutenção da sua tesouraria, diz o trabalho da JLL. A maioria das empresas de produtos e serviços tenta compensar a perda de receita nas suas lojas físicas recorrendo a vendas online, seja um restaurante através do sistema take-away, seja um ginásio com sessões de treino online, por exemplo. Sinal dos novos tempos é também o peso crescente da responsabilidade social. A JLL lembra no seu estudo que esta está a ser “monitorizada de perto pelos clientes, que devido ao isolamento, passam mais tempo online”. Por isso, as empresas desdobram-se em doações generosas no âmbito da pandemia tendo por denominador comum “permanecer relevante e ser socialmente responsável”.
Olhando para o futuro, muitos retalhistas a nível europeu repensarão as suas operações e a capacidade da sua infraestrutura que deve estar alinhada com o atendimento de pedidos online o que vai manter a consolidação do sector logístico.
Uma tendência que replica por cá. “Já não é de agora que existe um sentimento de que o e-commerce iria impulsionar este mercado. No momento em que vivemos atualmente em que nunca se viveu tanto de e-commerce, a logística tem aqui uma grande oportunidade para crescimento”, salienta à Visão Pedro Lancastre, CEO da JLL Portugal.
Já no retalho, um dos sectores mais afetados negativamente com a pandemia, o impacto da pandemia deverá refletir-se numa descida das rendas. “É previsível que tal venha a acontecer, mas ainda é cedo para quantificar essa descida. A queda no turismo vai levar a um decréscimo nas vendas, assim como a quebra na confiança dos consumidores portugueses e a baixa nos seus rendimentos também contribuirá para que o consumo interno venha a ter um impacto, o que levará a que os lojistas tenham que refazer os seus business plan e tentem rever em baixa os seus custos”, explica Pedro Lancastre.
O responsável sublinha que “as rendas prime de comércio de rua já atingem atualmente um nível superior às rendas prime de Centros Comerciais (145€/m2 versus 125€/m2), e é natural que esta diferença se mantenha”, até porque se “o comércio de rua é mais afetado pelo decréscimo no turismo, os Centros Comerciais também são pelo decréscimo no consumo dos portugueses”.
De olho nos jovens e nos seniores
O negócio das residências universitárias é um importante segmento de captação de investimento imobiliário e por isso também está a ser acompanhado atentamente pelos investidores.
Por cá, o mercado foi dos que mais cresceu nos anos mais recentes, uma tendência que Pedro Lancastre acredita que se irá manter. “Só nestes últimos dias fomos abordados por três investidores que mantêm o interesse neste mercado, o que mostra a falta de oferta que Portugal continua a ter, ao mesmo tempo que se estima a retoma da mobilidade internacional de estudantes após a resolução da pandemia”, apontou.
Na análise a nível europeu, a JLL conclui que “muitos operadores estão já a ajustar os planos de ocupação para o outono de 2020, com a esperança de que as medidas de saúde reduzam o risco dos alunos regressarem às aulas presenciais”. Entretanto, “haverá lições a retirar das estratégias eficazes de distanciamento social que já foram utilizadas por estudantes que escolheram ou foram forçados a permanecer nas residências universitárias durante a pandemia”.
Apesar das inúmeras dúvidas que ainda se colocam, Christian Ulbrich acredita que o vírus não irá modificar as aspirações dos jovens universitários. “Recentemente participei numa palestra para uma universidade do Reino Unido e 92% dos jovens que participaram disseram que queriam viver numa das grandes cidades do mundo. Acredito que o sentido de globalização não irá mudar”.
Outro mercado com potencial e que vai estar no foco dos investidores vai ser o das residências universitárias. Por cá, com o país nas bocas do mundo pelos bons resultados até agora na gestão sanitária do coronavírus, poderão ressurgir novos projetos para residências seniores, diz Pedro Lancastre.
O que está a acontecer na China
A China foi o primeiro país a ser afetado pela COVID-19 e a impor bloqueios e restrições sem precedentes na mobilidade, resultando numa contração económica de 6,8% no primeiro trimestre.
“No auge do surto, a COVID-19 parou a maioria das indústrias chinesas. Agora, muitas indústrias tradicionais estão lentamente regressando ao normal. Ao mesmo tempo, outras estão aproveitando oportunidades de crescimento emergentes com potenciais impactos positivos para os mercados imobiliários. Isso inclui economia digital, entretenimento online, seguros, assistência médica e tecnologia imobiliária”, refere-se no estudo.
No sector dos escritórios, o regresso das empresas à sua atividade normal varia consoante as cidades, com 80 a 100% já em funcionamento em Xangai, por exemplo e 75 a 80% em cidades como Chengdu e Chongqing.
Ao nível do retalho, os centros comerciais regressam lentamente à atividade, enquadrados em medidas de precaução como verificações de temperatura e regras de distanciamento social. O ritmo dos arrendamentos permanece moderado, refere-se no estudo da JLL. As marcas aceleraram a adoção de vendas integradas online já que os consumidores preferem evitar áreas de compras muito movimentadas.
Os supermercados e comércio de bens essenciais continuam a beneficiar com o receio sentido pela maioria das pessoas que ainda continuam arredadas dos restaurantes. Sem surpresas, também ma China o setor de logística foi dos que mais ganhou com o surto, alicerçado no aumento do comércio eletrónico.
No sector da hotelaria, regista-se uma reabertura de 87% das unidades mas a maioria reporta ainda baixas taxas de ocupação (abaixo de 30%). Note-se que as restrições ainda estão em vigor, com viagens entre províncias desencorajadas e proibições de viagens a visitantes estrangeiros. Ainda assim, existem alguns sinais de recuperação com o aumento da procura em resorts localizados a curta distância das principais cidades.