Sefi Shaked nasceu há 46 anos em Telavive (Israel). É especialista em comunicação política e já conduziu dezenas de campanhas em várias partes do globo. Há uma década, por exemplo, trabalhou com Benjamin Netanyahu e, em 2018, foi consultor de Salome Zourabichvili, a primeira mulher a chegar a chefe de Estado num país do Cáucaso (Geórgia). Vive em Cascais há três anos – diz que Portugal é a sua segunda pátria –, acompanha com atenção a política nacional e admite ver potencial em vários protagonistas. Até nos mais controversos…
Como acha que Netanyahu está a lidar com as acusações de corrupção?
O Netanyahu de 2009 não é o Netanyahu de hoje. Se olharmos ao longo do tempo, podemos dividir as críticas. Tem uma avaliação muito boa quando se trata de relações externas, de posicionar Israel como uma potência, fez a paz com os países do Golfo… Num mundo em que os líderes são fortes, são bullies, a maior parte dos israelitas estará feliz por ter alguém como ele. Internamente, está a ter um mau desempenho e a cometer muitos erros.
Que erros?
Está a dividir as pessoas. Havia duas formas de liderar quando começou a Covid-19. Ele poderia ter sido o pai da nação, a pessoa a quem todos recorreriam, o adulto, e parado de falar do julgamento, das acusações… Eu aconselhei-o, no Yedioth Ahronoth, um dos maiores jornais de Israel, há dois meses, a rapar o cabelo (porque os média estão sempre a gozar com o penteado dele), a acordar às 6h, a reunir os empresários e homens mais inteligentes das tecnologias e do desenvolvimento e a encontrar soluções para a economia e para a Covid. Aconselhei-o a juntar as pessoas e a dizer “Estou a lutar contra o vírus, não há judeus ou árabes, sefarditas ou asquenazes, ricos ou pobres, esquerda ou direita”. Israel é muito pequeno para um comportamento à Trump.
Netanyahu tem condições para continuar a ser primeiro-ministro?
Ele continua a ter 29% das intenções de votos. O segundo, Naftali Bennett, está nos 20% e a crescer. Não sei o que esperar, mas estou muito desapontado com esta divisão e o que me faz gostar ainda mais de Portugal é que, havendo querelas políticas, com a Covid, as pessoas estiveram juntas e a oposição foi mais cooperante do que na maioria dos países.
Seria preferível o país ir a eleições ou, pelo menos, o Likud encontrar uma nova liderança?
Se fossem tempos normais, não haveria alternativa a novas eleições. Neste momento, quando temos oito mil casos diagnosticados por dia, numa população de nove milhões, não vejo condições para isso.
Atribui algum valor ao facto de Israel ter sido reconhecido por outros dois estados árabes (Bahrain e Emirados Árabes Unidos), isolando mais o Irão e os xiitas?
Sim, é um grande feito, mas, considerando a terrível crise da Covid e da economia, é como uma mulher bonita a pôr batom no Titanic.
Acredita que Netanyahu vai suspender a anexação de colonatos na Cisjordânia, como prometeu?
Nem Netanyahu sabe o que vai fazer sobre isso. Pelo seu comportamento, fará o que for adequado aos seus interesses. E repare que não estou a dizer aos interesses de Israel.
Numa campanha em Israel, quais são os temas em que mais se foca? Segurança, segurança e segurança?
Sim, sim e sim! Qualquer criança israelita ouve sirenes no Dia da Memória do Holocausto e tem de se levantar para homenagear os seis milhões de judeus mortos. Duas semanas mais tarde, há o Dia da Memória dos Soldados… Desde que nasces, és educado no pressuposto de que estás em perigo, todas as famílias judias têm parentes que morreram na guerra. E, claro, temos a história da nação – Israel foi fundada em 1948, foi atacada, quase perdeu para o Egito e para a Síria em 1973, teve ataques terroristas por toda a parte. Portanto, a segurança é uma grande questão. A esquerda sempre foi considerada mais fraca quando se trata de segurança por ser mais liberal, menos fanática, e é por isso que a direita tem vindo a ganhar.
E os outros temas?
A economia é muito importante. Os preços em Israel são terrivelmente altos e os salários, não. Digamos que o salário médio é o dobro do salário médio em Portugal, mas os preços são cinco vezes mais altos. Preferia ser um português a ganhar 800 euros do que um israelita a ganhar 2 000. Infelizmente, porque a segurança é um assunto tão premente, ninguém vota a pensar na economia.
É esse o segredo de Netanyahu, o discurso securitário?
Ele tem algumas armas secretas. É um dos líderes mais inteligentes que conheci e é um grande orador. Garante muito respeito internacional a Israel, excluindo os últimos três meses. E o irmão, que era das forças especiais e perdeu a vida no Uganda, em 1976, foi morto como um herói [numa missão no aeroporto de Entebbe]. Portanto, quando se vê nas notícias, a toda a hora, que alguém foi esfaqueado ou que houve um ataque terrorista, a maioria dos israelitas vai para a direita. Não entendem que uma solução pacífica talvez seja uma alternativa melhor.
Acredita que esse efeito se verifique na Europa Ocidental ou nos EUA?
A Europa Ocidental e os EUA merecem respostas completamente diferentes. Na Europa, por causa do fluxo de imigração, do crescimento das redes sociais e dos resquícios dos problemas económicos, vemos os populismos crescer. Em Israel, sentimos que estamos em estado de guerra permanentemente. Todos os israelitas têm alertas especiais no telemóvel, equivalentes ao Correio da Manhã. O taxista está a conduzir e tu vês “Alguém foi esfaqueado”, “Um assalto ali”… São nove milhões de pessoas conectadas a um feed, a uma sucessão de acontecimentos; se houver um escândalo, toda a gente vai falar dele. Toda a gente está na mesma narrativa. É muito fácil controlar e manipular a opinião em Israel.
Faz sentido que os líderes mundiais apostem tanto nas redes sociais e abdiquem dos meios tradicionais?
Há algo belo no facto de os líderes comunicarem com o povo sem intermediação, mas há pontos preocupantes, porque os média são os guardiões da democracia e já só relatam o que está a acontecer a uma parte da população. Mais gente vê o Facebook do que lê a sua revista. Nunca teríamos Bolsonaro ou Trump como líderes se não fossem as redes sociais. Há dez, 15 anos, votávamos para eleger um Parlamento, um Presidente e também em reality shows; agora, votamos todos os dias com likes. Quem quer saber de ir às urnas? E, no nosso feed, encontramos maioritariamente pessoas que pensam como nós, não temos outras perspetivas. As redes sociais são a maior mudança que aconteceu ao mundo. Começaram bem, mas estamos a ver o seu lado negro.
Em Portugal, há um líder populista omnipresente nas redes sociais. Além disso, o presidente do PSD, Rui Rio, recusa dar entrevistas a jornais e revistas e está sempre a tweetar. Que tipo de riscos esta opção comporta?
Em termos de redes sociais, Portugal está muito melhor do que a maioria dos países. Há algo no País que eu admiro: os portugueses não se deixam levar por conversa da treta. Portugal é muito pequeno para fake news. Vocês são mais calmos, relaxados, é muito difícil irritar um português. Não vejo um perigo como um Trump ir a votos e arrebanhar 60% das pessoas através das redes sociais. Por outro lado, vejo muitos políticos cá a subaproveitarem ou a não usarem as redes, de todo. Por exemplo, o Presidente: eu vejo-o em Cascais a toda a hora, a apertar a mão às pessoas, é fantástico, mas, se estivesse a trabalhar com ele, quereria traduzir esta incrível campanha popular, que nunca tinha visto em nenhum lado, para as redes sociais, porque o tempo é limitado. Encontramos 100 pessoas por dia e podemos fazer isso com um milhão de pessoas por dia na internet. Se este tipo, se Marcelo tivesse investido em redes sociais o mesmo que investiu em ações de proximidade, em relações públicas ou a ir à praia, poderia chegar até 70%, 72% nas presidenciais.
Há algum partido com que não trabalhasse em Portugal?
Não sei o suficiente para dizer. Penso que todos os partidos cá podem melhorar. Parece-me que todas as campanhas são feitas com base na intuição dos candidatos, ao invés de na monitorização das redes sociais e de estudos adequados. Veja-se o Chega. Ele [Ventura] mobilizou a sua base até 9%, 10%, mas parece que atingiu o máximo. Devia parar de usar narrativas sobre aborto, racismo e misoginia – com as quais eu nunca colaboraria, por ultrapassar os meus limites – e ser mais anti-establishment. Devia falar mais dos problemas de segurança. Se eu fosse o Chega, 90% das minhas mensagens seriam sobre como ajudar os polícias a ganharem o dobro e faria com que cada português, antes de pressionar o botão para ativar o seu alarme noturno, pensasse no Chega. Depois, os outros 5%, 10% seriam sobre os salários dos médicos, sobre corrupção…
Conseguiria pegar em Ana Gomes e ganhar as presidenciais?
Olhando para os números, seria muito presunçoso dizer que ganharia, mas conseguiria adicionar 5% ou 10% à votação dela facilmente, apenas melhorando questões técnicas nas redes sociais e com um estudo: quem é a sua base, o que deveríamos dizer-lhe para os manter mobilizados e quem são aqueles que não pensam votar nela agora, mas que, se ela disser a coisa certa, poderão votar.
Não seria prudente que dissessem a Trump “saia da internet, deixe que alguém gira as redes”?
Trump é um dos maiores especialistas mundiais em redes sociais. Qualquer pessoa que o substituísse não seria tão boa. Como diziam na campanha de 2016, deixem Trump ser Trump. Quais são as regras das redes sociais no caso dele? Entreter, tornar-se parte da rotina diária da sua base. A base de Ventura, quando abre o Facebook, quer ver o que ele disse naquele dia, é como uma telenovela. Até os inimigos adoram ver o que se passa.
Estamos a reduzir a política a entretenimento.
É um dos problemas… Aliás, mesmo antes das redes sociais, podíamos ver celebridades como Ronald Reagan a serem eleitas. Como disse Roger Stone, um gestor de campanhas dos EUA, a política é show business para pessoas feias. E, agora, algumas delas até são bem-parecidas [risos]!…
Se trabalhasse com Trump, insistiria na bipolarização da sociedade, assente em questões étnicas?
Recusaria trabalhar com Trump exatamente por essas razões. Agora, aconselharia Biden a fazer algo completamente diferente do que está a fazer.
Como assim? Uma das fraquezas que lhe apontam é a falta de carisma.
Ele esforça-se para ser o Bill Clinton de 1992, ao utilizar expressões como “Yeah, man!”, e não funciona… Está a tentar ser cool e não dá. Pode ver-se como falta de carisma, eu vejo como gestão inadequada. O tipo é a coisa mais aborrecida que podemos ver no feed. Se fosse o seu gestor de campanha, iria até ao fim com este aborrecimento, porque aborrecidos eram os EUA antes de Trump, da Covid e dos motins. Eu escondê-lo-ia até à eleição, todos os meus spots televisivos seriam sobre 2025, com a praia em Malibu, as pessoas sem máscaras, tudo tranquilo e depois “Biden: porque os EUA merecem um presidente aborrecido”. A campanha de Biden é pior do que a de Hillary, e Biden é um candidato pior do que Hillary.
Qual foi o segredo para conseguir que uma mulher, Salome Zourabichvili, se tornasse a primeira chefe de Estado de um país do Cáucaso?
Foi mostrar a verdadeira personalidade dela, enfatizar as vantagens de eleger uma mulher, especialmente na Geórgia, realçar que ela estava familiarizada com o Governo em funções, que era melhor do que o anterior, e fizemo-lo em três semanas…
Qual o político português com quem mais gostaria de trabalhar?
Só conseguiria responder depois de conhecer os políticos.
Não conhece nenhum?
Conheço um, o meu amigo Ricardo [Baptista] Leite, mas todos aqueles de que ouvi falar são interessantes: Ana Gomes, pelo seu historial e por ser um grande desafio transformar o seu sucesso em domínio das redes sociais e na transmissão da mensagem certa. Marcelo, que parece um bom tipo, porque seria divertido converter este amor das ruas para as redes sociais. Quanto a Ventura, há um ponto de interrogação. Se for misógino e racista, não trabalharia com ele; se não for e tiver sido rotulado dessa forma – não sei o suficiente –, então há um desafio estratégico: tirá-lo das franjas e otimizá-lo para um candidato mais mainstream. Contudo, com este tipo temos de ser extremamente cautelosos.