Fernanda Marques Lopes: “As regras estão viciadas”
Conselheira nacional, a advogada e ex-presidente do Conselho de Jurisdição será outra das ausentes do conclave de Santarém. “Vai ser tudo repetido outra vez, não tenho dúvidas. O partido não cumpriu o que foi determinado pelo Tribunal Constitucional”, garante à VISÃO. Militante número 3, Fernanda Marques Lopes fala num conjunto de “irregularidades” e “incumprimentos” que, apesar dos sucessivos acórdãos do TC, “mantêm o jogo viciado”.
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Quatro anos volvidos sobre a entrega das assinaturas para a legalização do partido, a fundadora reconhece que o Chega não se conseguiu organizar nem adotar métodos transparentes minimamente aceites: “Não vejo isto suceder noutros partidos”, admite. “É uma asfixia, não se respeitam as regras democráticas. Não aceito, por exemplo, que um órgão de disciplina expulse alguém por delito de opinião”, assinala, referindo-se a José Dias, também fundador, expulso recentemente, decisão que o próprio impugnou recorrendo para o TC. Para a deputada municipal na Lourinhã, o líder, apesar dos seus conhecimentos jurídicos, não está preocupado com os “puxões de orelhas” constitucionais. Pelo contrário: “Ventura joga com o tempo que as instituições demoram a responder”, assume Fernanda Marques Lopes. “Além disso, o descrédito do PS e do Governo facilita-lhe a vida. É um excelente tribuno, faz um discurso aliciante e diz o que o povo diz no café. As pessoas, que vivem alheadas do funcionamento dos partidos, focam-se sobretudo na sua prestação parlamentar e nem reparam que as propostas não existem”. A advogada lamenta ainda o acentuado clima de intolerância interna. “As situações de violência verbal e física na Assembleia entre deputados e dirigentes do partido são contra tudo o que defendo. Não me revejo nestas atitudes”.
A dirigente recusa, para já, abandonar o Chega.
E rejeita críticas à sua ausência da convenção. “Seria cobarde se as regras fossem iguais para todos e eu decidisse não ir. Mas não é o caso. O facto é que não participo num jogo com regras viciadas”, justifica. Até ao momento, apesar das críticas à postura da direção e não obstante o seu afastamento em relação a Ventura – de quem era amiga de longa data – Fernanda Marques Lopes não crê existir coragem para expulsá-la. Ou não guardasse uma das poucas “chaves” da “caixa-forte” onde repousam segredos alegadamente comprometedores para o partido. Sobre isso, ela nada diz. Mas avisa: “Ainda cá estou, não me vou embora. Pelo menos enquanto acreditar que é possível mudar a postura do partido e emendar a mão a uma grave série de procedimentos.”.
Joaquim Chilrito: “Mais tarde ou mais cedo, Ventura vai cair”
É outro fundador desencantado com o rumo da terceira força política no Parlamento. E nem sequer procura adocicar as palavras. “O Chega está mais parecido com uma Venezuela do que um partido de direita”, resume Joaquim Chilrito à VISÃO. Conselheiro nacional, também ele faltará à convenção. “Não perderei um segundo com aquilo. O partido transformou-se numa empresa multinacional: está mais preocupado em recolher capital para a sua clientela do que em apresentar soluções para o País”, acusa.
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Chilrito é, a par de Fernanda Marques Lopes, um dos raros casos de militantes conotados com a oposição interna que não foram beliscados. “Ninguém me escorraçou ou maltratou”, reconhece. “Mas isso não me impede de ver aquilo em que o Chega se tornou: é uma agência de empregos para um conjunto de desocupados e sem abrigo obedientes ao chefe. Se o André os mandar despejar os caixotes do lixo ou limpar a sede, eles cumprem”, ironiza.
Hoje, continua Joaquim Chilrito, “o partido faz marketing financeiro através da política, é quase um esquema Ponzi [fraude em pirâmide]”. A militância, essa, “foi reduzida a escombros”. Mais tarde ou mais cedo, confia, “o TC vai limpar o partido dos seus problemas e André Ventura vai cair”. E o Chega, sobrevive? “Haverá partido depois dele, não tenho dúvidas.”.
Pedro Borges de Lemos: “Ventura não quer um partido intelectualmente sério”
Ex-militante do CDS, Pedro Borges de Lemos coordenava a “pasta” da Justiça no Gabinete de Estudos do Chega quando, em junho passado, foi destituído do cargo por sms. “Acreditei que André Ventura queria fazer um partido sustentado, estruturado e intelectualmente sério”, admite. “Mas, na verdade, não quer nada disso. O que pretende é um Chega única e exclusivamente reativo, aos gritos e a fazer barulho”, critica o advogado.
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Pedro Borges de Lemos garante ter abandonado o CDS por causa da deriva liberal do partido e aderiu ao Chega por acreditar que “teria quadros, um grupo de pessoas idóneas, sérias e responsáveis. E que, passado um tempo, até fosse alternativa a um Governo PS ou PSD”. Por isso, aceitou coordenar o grupo incumbido de apresentar propostas para área da Justiça, onde se destacavam, garante, “dois professores catedráticos de Direito e notáveis advogados da nossa praça”. Dirigido então pelo atual deputado Gabriel Mithá Ribeiro, o Gabinete de Estudos do Chega dava garantias, segundo Pedro Borges de Lemos, “de que o partido iria desenvolver conteúdos e ideias em várias áreas”. O que se leu no programa eleitoral cumpria os requisitos, apesar de advertências pessoais do próprio coordenador da Justiça: “As propostas nada tinham de radicais. Sempre fui contra a castração química de pedófilos ou a pena de morte, por exemplo. Ideias que, no partido, muita gente defende”.
O pior veio depois: trabalho feito, tripulação ao mar.
“O Chega nunca apresentou qualquer proposta do grupo. E uma delas era a criação de um tribunal especializado em casos de corrupção, medida para a qual era necessária uma revisão constitucional. Só uma lógica pouco séria de estar na política faz com que as pessoas que trabalharam nisto fossem afastadas”, reage Pedro Borges de Lemos. Para o ex-candidato à presidência da Câmara de Torres Vedras nas autárquicas de 2021, Ventura montou o Chega à sua imagem e semelhança: “É um projeto de poder pessoal. Mesmo aqueles que votam no Chega pensam isso. André Ventura decide tudo, das listas de candidatos às sanções de determinadas pessoas. Por isso, o TC veio dar um puxão de orelhas ao partido, dizendo para se tirar poderes ao líder”. Pedro Borges de Lemos antecipa até mais imbróglios. “Não tenho dúvida de que a convenção deste fim de semana será novamente chumbada pelo TC, o emaranhado jurídico é praticamente irreversível. Todos os órgãos do partido estão irregularmente constituídos, é a minha opinião enquanto jurista”, assume à VISÃO, sem se deter: “Vão decorrendo os anos, vão sendo aprovadas normas que caem pela base e os dirigentes que estão à frente dos órgãos agem sem qualquer conhecimento jurídico. André Ventura defende-se dizendo que o TC nunca chateou o PCP e o BE por causa da democracia interna, mas, pelo que sei, não há nesses partidos violações graves dos estatutos como existem no Chega”, acusa.
Como se isso não bastasse, a ação política deixa muito a desejar. “Ventura acha que é autossuficiente. E que os seus amigos, as pessoas que convidou para o Parlamento e para a direção, são também autossuficientes. Ou seja, não precisam de uma estrutura intelectual. É uma opção”. Aos olhos de Pedro Borges de Lemos, o Chega é hoje apenas “reativo, populista e rasteiro”. Um partido do qual ainda é militante, “mas de onde”, admite, “provavelmente sairei, desapontado com uma força política completamente pervertida”.
Santarém: extrema-direita em peso. Todos os líderes e dirigentes dos principais partidos e movimentos de direita radical populista e de extrema-direita europeus – alguns com vínculos neonazis, como a AfD (Alternativa para a Alemanha) – estarão presentes e farão ouvir a sua voz ao final da tarde de domingo, 29, último dia da convenção do Chega, conforme confirmou o gabinete de comunicação do Chega à VISÃO. Da lista de convidados estrangeiros com direito a intervenções de 5 minutos, no palco do CNEMA, em Santarém, fazem parte Rocío Monasterio (presidente do VOX da Comunidade de Madrid, Espanha), Kinga Gál (vice-presidente do Fidesz, da Hungria), Tino Chrupalla (Presidente da AfD, da Alemanha), Cláudiu Tarziu (Presidente da Aliança para a União dos Romenos, AUR, da Roménia), Boris Kollar (presidente do Nós Somos Família, SME Rodina, da Eslováquia), Tom van Grieken (presidente do Vlaams Belang, da Flandres, região flamenga da Bélgica), Geert Wilders (presidente do VVD, Partido para a Liberdade, dos Países Baixos) e Jordan Bardella – Presidente da Rassemblement National, de França). Com as sondagens a entusiasmar o partido e a oposição interna praticamente “varrida” do conclave pelo facto de, desde logo, ter sido eliminado o método de Hondt na eleição de delegados, André Ventura tem entronização e aclamação garantidas. O resto é com o Tribunal Constitucional, onde já moram vários pedidos de impugnação desta convenção.